O Nostradamus brasileiro

Plinio Rollim de Moura (1911-2001), cognominado “profeta de São Paulo”, tornou-se célebre como guru de importantes políticos brasileiros

Texto de Bira Câmara

Conhecido no passado por várias predições acertadas e outras tantas mal­fadadas, Rol­lim de Moura não se apresentava como me­ro astrólogo ou nume­ró­logo; fazia questão de declarar que suas antevisões do futuro se baseavam na “ciên­­cia teo­cósmica” (termo cunhado por ele), que reunia pirami­do­­logia, cabala apoca­líptica e numero­lo­gia. Mas não parava por aí: além de basear-se no Apocalipse de S. João e nas Cen­tú­rias de Nostradamus, rasgava seda para “O Capital” de Karl Marx considerando-o superior à pró­pria Bíblia, ao Corão e outros textos sagrados.


Nos anos 80, o Brasil vivia um período de efer­vescência política, com frequentes mobilizações populares pela anistia e a democratização do país. Paralelamente, os místicos, astrólo­gos e esoté­ricos alimentavam um clima de expectativa e ansiedade pela aproximação do fim do milênio, espalhando profecias apocalíp­ticas e previsões de cataclismos e guerras. Nos­trada­mus, como sempre, era evocado a torto e a di­­reito.

No Brasil, alguns ufólogos chegados a uma mesa branca divulgaram mensagens de extraterrestres que anunciavam o eminente desaparecimento das cidades litorâneas, tragadas pelas águas do mar por causa da “inclinação” do eixo terrestre. Houve quem vendesse apressadamente pro­prie­dades na cidade de Santos para refugiar-se no Planalto Central e escapar do desastre fazendo a alegria de espertalhões e especu­ladores imobiliários...

Rollim de Moura era um dos profetas que apareciam regularmente na imprensa para falar de suas antevisões do futuro. Segundo elas, a terceira guerra mundial arrasaria as grandes potências mas deixaria o Brasil intacto, de braços abertos para abrigar os sobreviventes da hecatombe. São Paulo, predestinada a ser o berço de um gran­de império como foi no passado a antiga Roma, assumiria o controle total do país e de toda a América do Sul. Uma de suas teorias abs­trusas é que todos os grandes impérios nascem às margens de rios cujo nome começa pela letra T: Lisboa tem o Tejo, Londres o Tâmisa, a Babi­lônia tinha o Tibre, Roma o Tevere, e São Paulo tem o Tietê e o Ta­manduateí! Só não se lembrou que o grande império egípcio prosperou graças às águas do Nilo...

Nos anos 30, 40 e 50 ele notabilizou-se por várias predições acertadas e foi assessor de alguns políticos de projeção nacional. Sua reputação de adivinho infalível o tornou solicitado por políticos ávidos em saber o que o futuro lhes reservava. Escreveu livros e juntou adeptos que queriam conhecer a sua “ciência”. Tinha convicção da vitória do socialismo no mundo inteiro, era anti­sionista e anti-americano declarado, e não teve medo de pôr no papel suas idéias mesmo durante o período da ditadura. É estranho que, mesmo rasgando elogios ao comunismo e predi­zen­do a futura socialização do país, não tenha sido molestado pelo regime militar. Talvez tenha escapado impune porque seus livros não eram levados a sério por ninguém e acabavam encalhando nas livrarias...

Nos anos 80, em idade avançada e preocupado em deixar sucessor para dar continuidade a sua obra, Ro­lim tentou achar um candidato que preenchesse os que­si­tos necessários para isso. Aparentemente não teve su­cesso, mesmo prometendo ao seu discípulo financiar-lhe pas­­sagem e estadia aos “7 pontos” da geo­­grafia apo­ca­líptica (Roma, Me­ca, Egito, Israel, Índia, Bagdá, ...). Dagomir Mar­chesi, que o entrevistou nos anos 80 para a revista Planeta, foi convidado para esta missão mas recusou o convite...

JEOVÁ, UM EXTRATERRESTRE?

Para Rolim, Yehvé – o Jeová do Velho Testamento –, não é um poder cósmico invisível mas “um extraterreno que – como qualquer criatura terrena – se arrepende dos atos que comete”. Foi exilado para a Terra, depois de ter fracassado na tentativa de tomar o poder na galáxia e preso aqui por mil anos. Uma vez neste planeta, fundou duas raças (arianos e semitas) para dominá-lo através da força e da astúcia. Mas o plano não teria dado certo porque acabaram brigando entre si. 

Na sua interpretação do Apocalipse identificou nos Estados Unidos, na Rússia e na China três dos quatro cavalos citados no texto bíblico; o quarto, que seria o vitorioso nesta batalha final, supõe tratar-se do Brasil! O sionismo, obra de Yehvé, aliado ao poder militar, religioso e financeiro que dominam os Estados Unidos, iniciará o apocalipse ao tentar defender as jazidas de petróleo do Oriente Médio. O interessante é que, embora condenando o sionismo, Rolim não se alinhou à uma ideologia de direita, o que é praxe no pessoal que junta ocultismo, religião e política, como o sinistro Lopez de Rega, astrólogo e ministro do ditador argentino Peron. Pelo contrário, além de elogios ao marxismo fazia críticas contundentes ao regime capitalista. Depois de analisar os livros sagrados das grandes religiões – a Bíblia, os Vedas e o Corão –, concluiu que todos resultaram em obras nefastas para os povos que os produziram e adotaram. Para ele O Capital de Karl Marx, é uma obra superior a todos estes textos, pois teria produzido frutos muito melhores, ou seja: uma socie­dade justa e igualitária... Estas idéias estão expostas no livro “Carta Aberta”, publicado em 1980.

Segundo Rollim, os últimos anos do milênio seriam marcados pela consumação das profecias bíblicas e a destruição de um terço da humanidade. De acordo com suas profecias, a cidade de São Paulo está destinada a ser o berço de um novo império, representado no texto bíblico pelo cavalo branco e que assumirá a supremacia do planeta após a terceira guerra mundial. Para isso, São Paulo “recomporá o seu território, que foi desmem­bra­do injustamente, alimentando a nação e depois estendendo seu poder econômico por todo o continente Sul-Americano.” No ano de 1989 haveria a implantação de um regime socialista no Brasil, unindo socialismo e democracia, possível graças a um “ajuste entre o Partido Comunista e a Igreja Católica”. Ao juntar Cristo e Marx, os brasileiros – poupados da guerra entre as grandes potências – assumiriam a hegemonia mundial. Curiosamente, 1989 coincidiu com as eleições diretas no Brasil, a eleição de Collor, o desman­telamento do regime soviético e a queda do muro de Berlim.

Rollim de Moura teve o mérito de ser um dos raros profetas a enunciar de maneira clara suas previsões, fixando datas. De acordo com elas, Carter deveria ter sido ree­leito em 1980 e assassinado ou deposto no ano seguinte; em 1984 haveria uma guerra convencional entre Rússia e Estados Unidos pela conquista do Golfo Persa; entre 88 e 89, guerra nuclear entre ambos e socialização do Brasil; em 1999, Rússia e China entrariam em choque, com a vitória dos chineses e, finalmente, a partir de 2009 o Brasil ocuparia posição de hege­monia sobre os demais países. Para a América Latina está reservada a missão de abrigar o que restar da humanidade destro­çada pelas guerras, tornando-se uma grande Arca de Noé!

Embora tenha errado todas estas profecias, Rollim ganhou o título de “profeta de São Paulo”, graças à fama conquistada no passado por algumas predições que deram certo. Diz-se que previu a revolução de 1930, a deposição de Washington Luíz, a permanência de Getúlio Vargas no poder por mais de dez anos e a revolução de 64. Teve participação vitoriosa em várias campanhas políticas, apoian­do sempre candidatos vitoriosos e recebeu elogios de Vargas, de Jânio Quadros e de Juscelino. Uma de suas últimas previsões falhou melancolicamente: segundo Rolim, o primeiro presidente civil eleito no Brasil após o fim do regime militar haveria de ser também o primeiro governador eleito de São Paulo. Na época, sua afirmativa de que teria a letra M como inicial de seu nome levou a muitas especulações, falando-se em Montoro e Maluf como possíveis presidenciáveis. No fundo, era um otimista incorrigível: previu para este primeiro governan­te brasileiro eleito pelo voto após o ciclo militar o status de grande líder político, estadista e agente de profundas transformações sociais. Seu nome ocuparia um lugar de destaque na história da humanidade, ao lado de Moisés, Mes­sias, Sakia Muni, Maomé, Marx e Mao Tsé Tung! O Collor de Melo sabia?

Por tudo isso, se Rollim de Moura não tivesse existido, mereceria ter sido inventado.

Bibliografia:

Dagomir Marquezi, O Profeta de São Paulo, Revista Planeta, N° 127, Abril de 83­ — Plinio Rollim de Moura, A Decifração do Enigma de Deus, Editora Gama, 1984 — Plinio Rollim de Moura, Carta Aberta, L. Oren Editora, 1980 — Plinio Rollim de Moura, O Grande complô, Ed. Brasiliense, 1965



SALADA MÍSTICA
Bira Câmara

164 páginas, (reedição de A Farsa da Nova Era, publicado em 1998)

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