Profetas da Pauliceia

Há um lado escatológico da Paulicéia que pouca gente conhece. A cidade de São Paulo também teve seus profetas, que não titubearam em anunciar glórias imperiais para ela. 

Textos de Bira Câmara, extraídos do livro Salada Mística

O homem que queria ser o Rei do Mundo

Conheça a história de Aladino Félix (1920-1985), paulista da cidade de Lorena, que escreveu livros curiosos sob os pseudônimos de Dunatos Menorá, Dino Kraspedon e Sábado Dinotos


Sábado Dinotos é o pseudônimo mais conhecido de Aladi­no Félix, mas o livro de sua autoria que alcançou maior reper­cussão, tornando-se um clássico da literatura ufológi­ca foi Contatos com os Discos Voadores, assinado com o pseu­dônimo de Dino Kraspedon. Aladino se posicio­nava ao lado do sionismo, e também acreditava ser Jeová um extra­terreno. Falava explícita­mente que os anjos e queru­bins bíblicos eram alienígenas, antes que isso se tornasse moda.


Autor de uma tradução das Centúrias de Nos­­tra­damus, Sábado Dino­tos concluiu que o Grande Rei de Terror, o Anticristo predito por ele, teria a ajuda de Jeová (o chefe supremo dos extraterrestres provenientes do planeta Júpiter) na batalha final contra a Besta, ou as forças do mal, cujos maiores representantes seriam a Igreja Católica e o Cristia­nismo. Depois disso, seria restaurada a justiça e uma nova Era de Ouro começaria na Terra, com as nações uni­ficadas sob um único governo. 

No livro Antiguidade dos Discos Voadores, publicado em 1967, Sábado valeu-se de admirável conhecimento de textos bíblicos e prodigiosa imaginação para fundamentar sua revelação de que há uma antiga batalha cósmica entre seres alienígenas, disputando a supremacia sobre o nosso planeta e a humanidade. Tentou demonstrar que “os discos voadores constituem a espinha dorsal que suporta todo o peso do imenso e maravilhoso livro que é a Bíblia”. De acordo com sua interpretação, o Gênesis fala da “remodelação da Terra por homens que vieram do espaço em suas naves sob as ordens diretas de Deus”. Daí em diante, tudo o que apareceu por aqui teve a participação deles; trouxeram sementes para reflorestar o planeta, bem como animais e peixes para repovoar rios e mares. Também mantiveram contato sexual com terráqueas e deixaram descendentes por aqui. Segundo ele, Zeus, Júpiter e Jeová significam a mesma coisa; a estrela de seis pontas da bandeira israelita é na verdade o símbolo do planeta Júpiter. Entretanto, outro poder extraterrestre tentou arrebatar do homem o domínio sobre o planeta: são os venu­sianos que, aliados a outros seres inter­planetários, marcianos e mer­curia­nos, recusaram-se a cooperar com o plano de Jeová-Júpiter para a humanidade. Nesta “guerra nas estrelas”, fre­quen­­­te­mente a Terra é palco de batalhas: Sábado nem pestanejou em dizer que inúmeros discos voadores são abatidos em nossos céus, caindo nas mais diversas regiões do planeta. Previu que esta guerra se intensificaria, tornando essas quedas cada vez mais freqüentes... 

A relação Vênus e Lúcifer é já conhecida: na tradição cristã representa o opo­sitor de Deus, o anjo decaído, as forças do mal. Sábado, entretanto, subverteu essa simbologia tentando nos convencer que este papel cabe a Jesus, à Igreja e ao Cristianismo. Buda e Mao­mé também estavam comprometidos com o opo­sitor de Deus, e Cristo teria sido um extraterrestre produzido por insemi­na­ção artifi­cial, para servir de instrumento para os alienígenas rebeldes. Segundo ele, o nome Jesus – Jeshua – tem origem no termo hebraico Heshu, significando serpente. Na fuga do Egito, Maria foi levada com ele a bordo de uma nave espacial, a mesma que foi vista nos céus de Roma à época de César Augus­to e que a História registra como sendo um cometa...

Mas onde entra o estado de São Paulo nisso tudo? Calma, que o santo é de barro e isso será explicado logo... As ideias de Sábado Dinotos seduziram muita gente e arrebanha­ram seguidores que se propuseram a lutar pela sua “causa”, na luta contra a Igreja e o cris­­tianismo, chamado por ele de “misticismo colonizador”. Propunha em contra­posição o “antimisti­cismo libertador”, o cumprimento da vontade de Jeová-Júpiter e um alinhamento em torno do Grande Rei previsto por Nostradamus, para restaurar a justiça, a verdade e o reino de Deus na Terra. Mas, quem seria o Grande Rei? Sábado não hesitou em colocar-se, ele mesmo, como o próprio. Deixou de usar seu nome real, Aladino Félix, e adotou o pseudônimo que se enquadrava nos textos bíblicos e nas profecias de Nostrada­mus. Assim, ele explica na sua tradução das Centúrias: “Júpiter era David, cuja pronúncia hebraica era Sabid (...) Sabid, em hebraico antigo, significava sete, porque ele era o sétimo filho; também era Júpiter e condutor.” (Antigüidade dos Discos Voadores, pág. 35) Quanto a Dinotos, viria de Dinoch, em hebraico o último. Os termos foram aportu­guesados para atender a razões numerológicas. Com este artifício, adequava-se a ser identificado como o Profeta cujo nome Nostra­damus fornece na quadra 2:28, e que apareceria no final dos tempos para fazer cumprir a lei de Moisés. O texto grego e latino do Novo Testamento, seguido pelos cristãos, é chamado por ele de “lei de Vênus”. Como nem judeus ou cristãos chegaram a entender a Bíblia, a verdade seria restaurada “pelo Messias que os judeus esperam que venha unir Israel.” Acreditando-se este Messias, Sábado arregaçou as mangas e tentou forçar a barra para que as profecias se cumprissem. Chefiou uma célula terrorista no final dos anos sessenta e tornou-se o único guerrilheiro de extrema-direita deste conturbado período de nossa História. Acabou preso, torturado, conseguiu fugir, foi recaptu­rado e fugiu novamente. Depois de cumprir pena, desapareceu no ostracismo, sem que suas profecias se tornassem realidade. 


Sábado associava a imagem da cruz com o símbolo das forças do mal, chefiadas pelos aliení­ge­nas de Vênus. Dizia também que a constelação do Cruzeiro do Sul era a região do espaço on­de se agluti­navam estas forças. Por ironia do destino, depois da segunda fuga, foi preso na cidade pau­lista de Cruzeiro, quando tentava fugir para Minas...

Na sua interpretação das Cen­tú­rias, Sábado tomou muitas liberdades com o texto de Nos­trada­mus, chegando ao extremo de afirmar que o Grande Rei anun­ciado por ele não deveria nascer na região de Alsácia-Lorena, na França, mas na cidade paulista de... Lorena, onde Ala­dino nasceu! 

Esta figura controvertida, cujo verdadeiro pa­pel nos anos negros da repressão militar ainda está para ser devidamente avaliado, morreu em 1985. Mas a sua história não termina por aqui: nos anos 90 surgiu nos meios ufológicos um cidadão apresentando-se como Dino Kraspe­don e autor da obra “Contatos com os Discos Voadores”, utilizando inclusive a mesma capa da edição original. Ora, é pública e notória a verdadeira autoria deste livro, pois Dino Kraspedon foi um dos vários pseudônimos de Aladino Félix. Causa estranheza que alguém se faça passar por ele e ainda tenha a ousadia de se apresentar em congressos e sim­pósios de ufologia, como um dos “primeiros conta­tados” pelos extraterrestres! E os ufólo­gos ainda querem ser levados a sério... De qualquer forma, a questão foi parar na justiça, depois que os herdeiros de Aladi­no entraram com ação judicial recla­mando os seus direitos e processando os autores da fraude por falsidade ideológica e estelionato.

Sábado Dinotos e Dino Kraspedon, a história continua


Ouvi o nome de Sábado Dino­tos quando era ainda menino, no início dos anos 60, pela televisão onde vez ou outra aparecia para falar sobre o assunto discos voadores. Lembro-me até hoje de uma previsão feita por ele no final de 1963 num programa de rádio, dizendo que haveria uma importante transformação política em 64, fato que iria alterar radicalmente o destino do Brasil, segundo ele para melhor. O impressionante é que fez questão de dizer que não seria propriamente uma revolução, mas um movi­men­to político que levaria o país para um novo estágio de desenvolvimento, com enorme progresso social. Chegou até a prever que aconteceria por volta de março de 64. Isto ficou na minha memória porque foi uma das raras previsões que vi realizar-se em curto espaço de tempo.

Em 68, quando Aladino Félix, o verdadeiro personagem por trás dos pseudônimos Sábado Dino­tos, Dino Kraspedon e Dunatos Menorá foi preso como terrorista, fiquei tão surpreso quanto a maioria das pessoas que estavam acostumadas a vê-lo em programas de televisão ou ler suas controvertidas entrevistas em jornais. O seu envol­vi­mento em atividades terroristas, sua prisão e fugas misteriosas, impressionaram-me tanto quanto suas idéias excêntricas. No decorrer dos anos sempre estranhei o silêncio dos historiadores em torno do seu nome, já que seus livros mais conhecidos, Antigiidade dos Discos Voadores e Contato com os Discos Voadores, eram citados como referência pelos afic­cio­nados da temática ufoló­gica. Nos anos 70 e 80 o seu nome caiu no ostracismo e dizia-se que havia mor­rido nas mãos da repressão militar. Não fossem os seus livros, o silêncio em torno dele quase me faria acreditar que jamais teria existido.

Nos anos 90, conheci um ex-colaborador de Sábado que me contou muita coisa sobre as suas atividades. Entre outras revelações, fiquei sabendo que em 1960, quando publicou Mensagem aos Judeus, ele recebia ajuda financeira de industriais judeus. Nesta obra, sob o pseudônimo de Dunatos Meno­rá, Aladino procurava convencer os judeus a aceitarem Jesus como o verdadeiro profeta anunciado pelos textos sagrados. Uma das curiosidades desta obra é o mapa astrológico de Cristo. Pena que ele raramente revelasse as fontes onde ia buscar tais informações! Quando as idéias de Sábado começaram a se radica­lizar e tomar caminhos perigosos, esses mes­mos empresários retiraram-lhe o apoio e se afastaram dele. Posteriormente, na tradução das Centúrias e no Antigüidade dos Discos Voadores, pregava abertamente a destruição da Igreja Católica, hostilizava o Islamismo e o Budismo, além de afirmar que Cristo, Buda e Mao­mé eram agentes do mal... 

Em 97, quando preparava A Farsa da Nova Era, confirmei com este ex-colaborador algumas informações a respeito de Sábado, inclusive a autoria do livro Contato com os Discos Voadores. A única coisa que ainda permanecia um mistério era o destino de Aladino Félix e não conseguira confirmar se estava vivo ou não. Já nesta época, fazendo-se passar por Dino Kras­pedon, um senhor aposentado colhia os louros da pretensa autoria desta obra e apresentava-se em congressos e simpó­sios de ufologia como um dos “primeiros contatados” pelos extraterrestres. Este cidadão fora apresentado por um ufólogo paulistano, em reportagem na revista “Istoé”, em agosto de 95, como sendo Dino Kraspedon, autor do livro citado. Esta matéria anunciava o lançamento da segunda edição da mesma obra. Como era evidente que este senhor nada tinha a ver com a figura de Aladino, passei esta informação no meu livro A Farsa da Nova Era (1995), já que na Biblioteca Nacio­nal consta no catálogo a autoria do livro Contatos com os Discos Voa­dores como sendo do mesmo autor do livro O Hebreu, ou seja: Aladino Félix.

Há vários depoimentos, inclusive o do Dr. Walter Bühler, pioneiro da ufologia no Brasil, e de antigos companheiros de Aladino, confirmando que Dino Kraspe­don e Sábado Dinotos sempre foram pseudônimos usados por ele. O próprio filho de Aladino, o senhor Raul Félix, munido de várias provas, moveu processo por falsidade ideológica e este­lionato contra os res­ponsáveis pela reedição da obra do seu pai. Assunto esclarecido, é estranho que até hoje não tenha saído nada na imprensa, dissipando a confusão criada em torno da autoria da obra.

Traduzido para a língua inglesa, Contato com os Discos Voadores teve grande su­ces­so na Inglaterra e também na Dinamarca, na França e na Alemanha.

Segundo o Dr. Walter Bühler, co-autor do Livro Branco dos Discos Voadores, falecido em 95, tudo o que se refere à temá­tica ufoló­gica é alvo de hostilidade por parte de órgãos ligados a todos os governos da Terra. Para ele, haveria um trabalho sistemático de contra-informação, no sentido de lançar descrédito sobre o assunto. Isto justificaria o interesse em desacreditar pesquisadores sérios, enquanto ao mesmo tempo incentiva­riam tudo o que possa ridicularizar os ufólogos ou lançar sobre eles a sombra da fraude e do embuste. Em entrevista a um jornal especializado, disse o Dr. Bühler: “este é sem dúvida um assunto temido por políticos e militares, razão pela qual em conjunto com outros serviços secretos internacionais, estenderam em torno do globo uma rede de informação e contra-informação à respeito do tema extraterrestre”. 

Bibliografia:

Mensagem aos Judeus, Dunatos Menorá, Livraria e Editora Minimax, SP, 1960  – Con­tatos com os Discos Voadores, Dino Kras­pe­don  – Antigüidade dos Discos Voadores, Sábado Dinotos, SP, 1967 – As Centúrias de Nostra­damus, trad. de Sábado Dinotos, SP, 1965 – Livro Branco dos Discos Voadores, Walter Bühler – 1968, A História Que Tentaram Apagar, tese de mestrado do historiador Cláudio Suenaga, 1994/1998 – Depto. de História da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp

Os mistérios de Sábado Dinotos

Segundo o depoimento do ex-colaborador de Aladino, ele tinha frequentes encontros com os jupiterianos. Em certa ocasião – garantiu-me ele –, quando foi se encontrar com Aladino em seu escritório no edifício Martinelli, teve de ficar esperando na antesala antes de ser atendido, pois o mesmo conversava com alguém. Através da porta entreaberta pôde perceber a silhueta da pessoa com quem ele mantinha animado diálogo e até ouvir-lhe a voz. Algum tempo depois, encerrada a conversa, Aladino abriu a porta para recebê-lo e, para sua surpresa, não havia mais ninguém na sala! Esta pessoa jurou de pés juntos que não havia outra porta para que o desconhecido saís­se e descartou a explicação de que falasse ao telefone quando chegou no escritório. Também garantiu que não deu o menor cochilo enquanto esperava ser recebido pelo seu mentor... Teria se retirado pela janela, do alto de mais de dez andares? Contei essa história para um amigo meu, cético empedernido, e ele escarneceu dizendo que Aladino poderia esconder um boneco no seu escritório, simulando conversas para impressionar incautos... Esta anedota dá bem uma ideia de como ele conseguia magnetizar os seus seguidores. 
Lendas a parte, já o trabalho de Cláudio Suenaga, 1968, A História Que Tentaram Apagar traz revelações surpreendentes sobre a figura de Aladino Félix e levanta a suspeita de que a sua participação na história daquele conturbado período foi subestimada pelo descaso ou preconceito de nossos historiadores. As informações a seu respeito se resumem a rotulá-lo de louco ou lhe atribuir um papel secundário. 

Há muitas evidências de que Aladino tinha contatos com altos escalões do Regime Militar e é provável que acreditasse servir-se deles no seu projeto de tomada do poder. Pode ter sido um inocente útil que acreditava no apoio de alguns militares aos seus planos, ou também um bode expiatório utilizado por eles para deflagrar a caça às bruxas. Para o pes­soal da esquerda, ele não passava de um simples informante ou agente provocador. O Dr. Walter Bühler declarou que Aladino havia sido treinado pela CIA, em Chicago, de onde, “por uma razão qualquer, foi desligado”. As evidências de suas ligações com autoridades militares e as suspeitas de que poderia ter agido cumprindo ordem deles nunca foram investigadas a fundo. Isto é compreensível partindo de quem estava ligado ao regime militar; só não consigo entender o desinteresse dos historiadores em geral, que poderiam talvez levantar fatos inéditos de nossa história. As autoridades sempre negaram qualquer ligação com Aladino e apenas diziam que rece­biam dele informações e denúncias, de caráter grave, sobre a situação do país. Mas, na época, falava-se que o terrorismo de grupos paramilitares de direita não começara nos anos 60, mas décadas atrás, nos anos 40 e 50. Aladi­no também fez esta denúncia, mas tido na conta de “louco”, “místico” e “visionário”, ninguém acreditou que por trás dele pudesse ocultar-se uma “gigantesca rede conspi­ratória que ao longo dos anos assumiu o controle de todos os aspectos da vida da nação”. 

Diz Cláudio, em sua tese: “Os problemas com a Igreja explicam porque Aladino não foi nem mesmo citado no livro “Brasil: nunca mais”, projeto conduzido e coordenado pelos arcebispos da Arquidiocese de São Paulo. A omissão é tanto mais grave se levarmos em conta que Aladino e seus seguidores foram praticamente os primeiros “terroristas” torturados pelo aparato repressivo que se solidificava. Apenas à página 116 deste livro, numa tabela mostrando a atuação de diversos grupos de esquerda, vemos que uma “organização sem identificação” atuou em 1968. Muito pouco para um movimento responsável por quase metade dos atentados cometidos naquele ano em São Paulo.”



SALADA MÍSTICA
Bira Câmara

164 páginas, (reedição de A Farsa da Nova Era, publicado em 1998)

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