Nas religiões
dos vários povos da antiguidade muitos deuses caíram no esquecimento e alguns
são lembrados apenas em notas de rodapé nos compêndios de mitologia e história
antiga. Este é o caso de Summanus, o deus etrusco do raio, que acabou eclipsado
por Júpiter.
Texto de Bira Câmara
Summanus hoje
em dia é o deus que quase todos esqueceram. Há uma referência a ele em Ovídio:
“Dizem que o templo foi dedicado a Summanus, seja lá quem for” (quisquis is
est, Summano templa feruntur), Ovídio, Fasti 6, 731. O templo em
questão fica no Monte Aventino, que originalmente ficava fora dos sagrados
limites nacionais da cidade. O culto parece ser oriundo da Gália Cisalpina,
norte da Itália, centrado em torno de Mons Summani (hoje Monte Summano)
perto de Vicenza, no Vêneto, antigamente Vincentia.
Summanus é
considerado como o deus do trovão noturno. Na região onde o culto surgiu, é
comum a incidência de fortes chuvas e trovões, devido à ascensão abrupta dos
Alpes e o rápido resfriamento do ar úmido, que parecem ocasionar tais
tempestades elétricas.
O centro do
culto no Aventino parece ter sido uma tentativa de manter seus seguidores
confinados às margens de Roma. Os nativos daquela área (Euganei)
provavelmete eram um povo pré-itálico que se fundiu com as tribos Gaulish
Venetic por volta de 500 a.C.
Autores
romanos viam Summanus como um deus ctônico, um deus da noite e do submundo, um
deus a ser usado. Era associado a Júpiter (Iuppiter Summanus), com
Plutão, e considerado por Martianus Capella como o maior dos Manes, os ancestrais
divinos (Summus Manium).
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Marco Terêncio Varrão (116 a.C.- 27 a.C.), filósofo e antiquário romano |
Varrão, no
primeiro século a.C, supunha que ele era um deus etrusco (De Lingua Latina 5.74)
e Plínio, o Velho (Naturalis Historia 5.23) diz: “Os livros da Toscana
nos informam que há nove Deuses que descarregam tempestades, que há onze
diferentes tipos deles, e que três deles foram destronados por Júpiter. Destes,
os romanos retiveram apenas dois, atribuindo o tipo diurno a Júpiter e o
noturno a Summanus; este último tipo é mais raro, em consequência do céu ser
mais frio”. Ovídio, em seu artigo sobre o Fasti, comenta que dois
carneiros negros (castrados) foram sacrificados a Summanus, apoiando a ideia de
ser um deus ctônico.
Do pouco que
se sabe sobre isso, Summanus parece ser uma versão inicial de Plutão. Hades /
Plutão na mitologia grega, deus do submundo, é conectado com o rapto de Kore,
filha de Demétrio. Na Grécia micênica, Poseidon, seu deus superior, era deus do
submundo e não do mar (que era Proteus). Poseidon parece ser um avatar de Hades
/ Plutão; lendas locais falam sobre uma pastora que desaparece em uma caverna
no Monte Summano, e é possível que Summanus tenha incorporado um pouco do mito
do rapto.
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Circus Maximus |
Como esse
culto chegou a Roma? O templo de Summanus no Aventino, na direção do Circus
Maximus, foi construído em 278-6 a.C., mas caiu em desuso depois que um
templo maior e mais imponente foi construído para Júpiter. Isto indica que
alguns dos aliados de Roma no Vêneto, provavelmente os primeiros Euganei se
fundiram com os venezianos gauleses, e acabaram vivendo às margens de Roma. O
Aventino era uma área sob autoridade plebeia, e já com templos para Ceres (o
pão de trigo era moído lá) e Liber (Baco), e portanto, um deus ligado aos
alimentos seria bem-vindo lá. No dia de sua festividade, 20 de junho, Summanus
era presenteado com summanalia, bolos feitos de farinha, leite e mel em
forma de roda. Isso sugere que essa foi uma refeição consagrada ao deus que
havia sido levado para lá -- talvez os pastores de Mons Summani os comessem
enquanto trabalhavam e davam um pouco para o deus.
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Monte Summano |
Um detalhe
curioso é que o Monte Summano tem picos gêmeos, um mais baixo que o outro, e o
mesmo acontece com o Monte Aventino em Roma; talvez as pessoas que o escolheram
para ser um centro de culto o fizessem porque se assemelhava à sua montanha
sagrada.
Summanus, o deus etrusco do raio
Os etruscos
praticavam um gênero de adivinhação, o aruspicínio, baseado no exame das
vísceras de animais sacrificados, para deduzir daí os presságios. Esta ciência
etrusca também lançava mão especialmente da "arte fulgural", que
comportava três tipos de operações: 1) observar os raios; 2) interpretá-los; 3)
conjurá-los. Os arúspices observavam o relâmpago (fulgur), o trovão (tronitum)
e o raio (fulmen). Com isso, podiam reconhecer o deus que o enviava e
suas intenções, e então realizar conjecturas relacionadas ao caráter próprio
desse deus. Faziam distinção também ao fulgur diurnum do fulgur
nocturnum; o primeiro era atribuído a Júpiter, o outro a Summanus,
considerado o deus etrusco do raio. Em casos de dúvida, fazia-se um sacrifício
para as duas divindades: para Júpiter um carneiro branco e
para Summanus um
carneiro preto. Summanus, deus do céu noturno, também era adorado no Capitólio,
onde tinha uma capela com sua estátua de barro, cuja cabeça foi tão
violentamente atingida por um raio que ela foi precipitada no leito do rio
Tibre. O incidente ocorreu na época de Pirro, e parece que nessa ocasião
levantaram um templo para Summanus, perto do Circo Maximus.
Segundo
alguns autores, o nome Summanus significa o deus da parte anterior da noite que
precede imediatamente o dia, pois para os romanos o dia começava à meianoite.
Etimologicamente, Summanus provém de sub-manus, e manus tem o
mesmo significado que manhã. Mas esse deus sempre foi um deus das trevas, da
noite escura; numa de suas peças, Plauto brinca, fazendo dele o deus dos
ladrões, e forja o verbo summanare, sempre com o sentido de roubar,
assim como a deusa Laverne é uma deusa do submundo e, portanto, considerada a
protetora dos ladrões.
Bibliografia:
Bira Câmara,
Oráculos, Adivinhação e Profecias na Antiguidade.
Bouché-Leclercq,
Histoire de la Divination, volume IV, pág. 67.
Franz Cumont,
L’Astrologie et la Magie dans le Paganisme Romain: Mysticisme Astral dans
l’Antiquité, Extrait des Bulletins de I’Academie Royale de Belgique, no. 5
(mai), 1909.
Martin
Nichols' Roman Blog, Summanus, whoever he may be,
R. Labat,
Magia e Adivinhação na Mesopotâmia, in “As Ciências antigas do Oriente",
págs. 90 / 92
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