Texto de Bira Câmara
Um
dos monarcas mais curiosos e enigmáticos do início da modernidade é sem dúvida Rodolfo
II (1552-1612) de Praga, verdadeiro modelo de príncipe ilustrado e grande
protetor das artes, das ciências e da alquimia. Nascido em Viena, membro da
casa de Habsburgo, era aparentado por linha materna com a coroa espanhola e foi
educado na Espanha, na corte de Felipe II. Ocupou o trono da Bohêmia e da Hungria
e o Império romano, mudando a corte de Viena para Praga. Sua corte ocupou uma
posição central na Europa daquele tempo, não só pela extensão e importância
de seus domínios, mas pela intensa e frutífera atividade cultural que teve
lugar nela. A cidade de Praga nunca brilhou com tanto esplendor como centro
cultural europeu do que nesta época, pois Rodolfo II interessava-se pelas
disciplinas mais diversas. Ele não só queria compreender tudo, abarcar tudo,
como também pôr a prova a eficácia de projetos que outros haviam repudiado de
início como extravagantes.
Em
sua corte encontraram refúgio e apoio figuras vistas como perigosas pela sua
vinculação com a magia, como Dee e Kelley, fugitivos da Inquisição como Bruno,
gênios problemáticos como Tycho e outros. O seu interesse pela Cabala judaica o
levou a tornar-se amigo do Rabino León de Praga — figura também extraordinária
e que se tornou mais célebre pelo seu golem do que pelas suas doutrinas
—, amizade que se tornou lendária e dela resultaram medidas mais tolerantes
para com os judeus.
Apesar de ser católico, não permitiu que a Igreja impusesse
suas normas no Império além dos limites que ele mesmo estabelecera. Conquistou
respeito e estima em uma Bohemia onde imperava um clima fortemente antipapal
graças a sua atitude ecumênica e tolerante, capaz de admitir simultaneamente
judeus e cristãos, cientistas e ocultistas. Era intolerante somente com os
intolerantes. Jesuítas, protestantes, hereges, cientistas, cabalistas,
artistas e magos eram igualmente bem recebidos e Rodolfo tinha para com todos
uma atitude compreensiva e acolhedora. Só exigia uma coisa dos seus
protegidos: para ser bem recebido na corte, eles tinham de provar seu conhecimento
por meio de testes e exames, com o fim de descartar possíveis charlatães. Sua
ambição intelectual o levou a estudar criptografia, relacionada com a
atividade alquímica, e a gastar uma enorme soma na aquisição do enigmático
manuscrito Voynich.
Rodolfo
juntou astrônomos, humanistas, médicos, artistas, artesãos e antiquários a sua
volta e colecionou pinturas de Breughel e Correggio, entre outros. Que coisa
extraordinária deve ter sido o dia-a-dia em sua corte! Animais exóticos — entre
eles um leão — passeavam pelos corredores de seu palácio, enquanto nos jardins
Tycho Brahe montava seus instrumentos para observar as estrelas e anotar
cálculos dos movimentos planetários. Ao mesmo tempo, nos porões do seu castelo
de Hradschinos, alquimistas manipulavam tinas e retortas misteriosas, e
experimentavam elixires...
A
vida de Rodolfo foi marcada por eventos contraditórios: monarca esplêndido,
terminou prisioneiro em seu próprio castelo, deposto pelo irmão; grande Mecenas
das ciências e das artes, retratado por Arcimboldo e outros artistas, mereceu
um lugar destacado nos anais culturais da época; sábio e poliglota, mergulhou
no estudo das ciências ocultas com paixão que roçava perigosamente a loucura —
talvez predestinado pela herança familiar de sua bisavó, Juana de Castela.
A alquimia e a astrologia converteram-se em obsessões que perturbaram seu
equilíbrio mental, o fizeram vacilar e cometer erros no terreno político que
acabaram sendo a causa de sua ruína.
Durante
anos, o humor de Rodolfo oscilou entre o envolvimento animado com os problemas
do seu cotidiano e a melancolia profunda, a paranoia e iras incontroláveis. Em
várias ocasiões retirou-se dos negócios públicos para se consagrar à pesquisa
da “pedra filosofal”, deixando a Wolfgang Rumpf, seu principal ministro e
antigo companheiro, o controle quase total da administração central do Império.
Quando houve uma erupção de pestilência, Rodolfo fugiu de Praga em pânico e
durante um ano viveu isolado em Pilsen. Esses ataques de medo paranoico eram
seguidos frequentemente por semanas de calma relativa. Em junho de 1600,
Rodolfo teve um ataque de alucinações e acreditou que tinha sido envenenado ou
enfeitiçado. Também tentou suicídio repetidamente e, numa ocasião, tentou
cortar a própria garganta com um pedaço de vidro de uma janela quebrada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário