As religiões de mistério

Etimologia do termo «mistério», religião mística — Orfeu, «o pai dos mistérios» — A concepção do pecado original, um mito arcaico — Religiões de mistério se originaram dos antigos cultos da fertilidade — Os mistérios de Elêusis, da Samotrácia, de Dionísio, mistérios órficos — Cultos de origem oriental, mistérios de Adônis, de Átis e de Cibele, de Ísis e Osíris, de Mitras — Sobre as razões do juramento de segredo.

Capítulo XVIII do livro Oráculos. Profecias e Adivinhação na Antiguidade, de Bira Câmara

Nos primeiros séculos da era cristã, enquanto o império fazia a transição do politeísmo ao Cristianismo, as religiões de mistérios, seitas ou cultos orientais de iniciação, proliferavam no mundo greco-romano. O sincretismo religioso era a nota dominante desse tempo.

Os relatos dos povos primitivos sobre a divindade se apresentavam, geralmente, sob duas formas principais: a divindade era concebida como um ser finito, próximo e parente do homem, ou como um ser infinito, sobrenatural. A primeira forma corresponde à religião simples, à mitologia épica com seu mundo organizado de deuses e de heróis, representações antropomórficas, ritos específicos, um estado de espírito sereno; a segunda à religião mística, com uma concepção mais ou menos panteísta dos deuses assimilados às forças naturais, como representações alegóricas de sua paixão, dos atributos simbólicos, da exaltação da alma. Os Mistérios não eram um acidente, mas uma forma geral e necessária da vida religiosa. (1)

Cerimônia de iniciação nos mistérios de Mithras
Esses cultos, provenientes da Grécia, do Oriente e do Egito, começaram a penetrar no mundo romano desde a República, e se expandiram cada vez mais durante o Império. O sincretismo religioso, marcado pela preocupação com a vida futura, pela promessa de salvação e de união mística com a divindade, atraíam devotos que se faziam iniciar no maior número possível de mistérios para encontrar neles a verdade universal. Todos os deuses tinham os seus cultos de mistério; neles, todos os deuses renasciam, como Dionísios, Osíris, Mitras. 

O termo «mistério» deriva do latim mysterium, que vem do grego mystêrion, e neste contexto tem o significado de «rito secreto», «doutrina secreta». O seguidor do mistério é um místico, do grego (mýstêss), um «iniciado», termo que significa «fechado», em referência ao segredo desses cultos ou ao fato de que apenas os seus iniciados são autorizados a observar e participar nos rituais. 

Como veremos, todos esses cultos baseavam-se num mito fundador que era a via de acesso teórica, mas também prática, para o invisível. 

Os cultos dos mistérios surgiram com Orfeu, o lendário sacerdote de Apolo, conhecido como «o pai dos mistérios», e a quem se atribui a introdução dos princípios desses cultos, que diferiam dos oficiais em diversos pontos. Os participantes passavam por iniciações sucessivas, aprendendo a cada vez algo mais sobre os segredos da divindade; progrediam através dos graus, subindo seu nível de iniciação. O iniciado tinha de fazer juramento a cada etapa de seu percurso; este juramento era a prova do seu status de liberto (o escravo não podia fazê-lo). 

Ao contrário dos cultos tradicionais, estes cultos originários do Oriente traziam uma esperança de salvação para a vida após a morte mais atraente do que simplesmente a eternidade nos Campos Elíseos para os mais merecedores. 

Os historiadores modernos consideram geralmente que as religiões de mistério se originaram a partir dos antigos cultos da fertilidade. As divindades que eram adoradas neles apareciam em pares: a deusa-mãe (Afrodite, Cibele, Isis), acompanhada por um herói ou semideus que poderia ser seu filho (ou filha no caso de Demétrio), seu cônjuge ou seu amante. O herói morre e ressuscita, simbolizando a vegetação que desaparece e reaparece periodicamente, seguindo o ritmo das estações do ano. 


No momento em que o cristianismo surgiu, as religiões de mistério, quer fossem de origem grega (mistérios de Elêusis, da Samotrácia, de Dionísio, mistérios órficos) ou de origem oriental (mistérios de Adônis, de Átis e de Cibele, de Ísis e Osíris, de Mitras) tinham muitos seguidores. As almas místicas descobriam neles o que as religiões oficiais não podiam oferecer-lhes. Muitos eruditos ressaltaram que alguns aspectos do cristianismo primitivo evocam a linguagem e algumas práticas das religiões de mistério. Mas é preciso tomar cuidado, no entanto, com comparações fáceis: as mesmas palavras, os mesmos ritos podem abranger diferentes atitudes espirituais. Este é o caso da própria palavra «mistério», comum às religiões de mistérios e aos autores cristãos, mas que significam, aqui e acolá, realidades heterogêneas. 

Entre os numerosos cultos de mistérios destacavam-se os de Apolo, os mistérios órficos associados à lenda de Orfeu, de Artemis, deusa lunar da caça e da virgindade, os Mistérios de Elêusis, em honra à tríade Demétrio, Hades e Perséfone, de Ísis e Osíris, e o Mitraísmo, celebrando Mitras, o guerreiro. 

Orfeu e sua lira
O mito de Orfeu, de origem obscura e muito antiga, cujo episódio mais famoso é a descida do herói ao inferno em busca de sua esposa Eurídice, deu à luz a uma teologia de iniciação. O orfismo é uma doutrina de salvação marcada pelo pecado original; a alma está condenada a um ciclo de reencarnações do qual só a iniciação pode libertá-la, para conduzi-la a uma sobrevida bem aventurada onde o ser humano se junta ao divino. Esta escatologia foi transmitida através da literatura poética helenística apócrifa ou neoplatônica, conhecida sob o mito de Orfeu. 

A morte de Dionísio pelos Titãs é o mito central do orfismo, composto de elementos de muitas cosmogonias, bastante diversas nos detalhes, mas inspiradas por um padrão geral comum ou, pelo menos, de uma ideia básica comum. Segundo algumas fontes, os órficos acreditavam que a raça humana é o produto das cinzas que caíram dos restos dos Titãs fulminados por Zeus por terem causado a morte de Dionísio. 

Uma das ideias essenciais do orfismo é a do pecado original. Os homens descendiam dos Titãs, que haviam assassinado e despedaçado Dionísios; portanto, eles herdaram a culpa desse crime e não poderiam se libertar dela senão pela iniciação nos mistérios. Esse mito é certamente muito antigo. O iniciado devia repetir nos infernos a palavra de passe: «Eu sou filho da Terra e do céu estrelado», ou seja: «Eu sou um Titã». Jamblico, ao comentar a iniciação órfica, menciona a necessidade da purificação das almas para obter o perdão dos «antigos rancores dos deuses».

Do orfismo, a doutrina do pecado original se espalhou pelas escolas filosóficas da antiguidade. Por certo essa concepção de uma falta primitiva, resposta ingênua ao problema do mal e do sofrimento, enraizou-se no imaginário popular antes de ser aceita pelos filósofos e mistagogos. Foi do pitagorismo que Platão tomou de empréstimo a ideia da alma enclausurada na prisão do corpo, em punição devido a faltas cometidas anteriormente. Em um dos raros fragmentos de Anaximandro, ele diz que a unidade primitiva do mundo foi rompida por uma espécie de pecado étnico e que todas as coisas, nascidas deste rompimento, deveriam carregar a culpa. Tal concepção, encontrada num teólogo grego do século VI, relacionada à lenda órfica de Dionísios despedaçado pelos Titãs, crime original que a humanidade expia pelas suas misérias, deixa evidente que a ficção metafísica é calcada sobre uma tradição religiosa que acusa um passado muito arcaico do pensamento grego. (2) 

Os mistérios de Elêusis baseavam-se nos mitos de Demétrio, Hades e Perséfone. Hades levou Perséfone, quando ela colhia flores nos prados de Enna (Sicília), para se casar com ela e torná-la a rainha do submundo. As plantas pararam de crescer nos campos enquanto Demétrio viajava pelo mundo em busca de sua filha. Um dia, depois de vagar pelas terras da Grécia sob o disfarce de uma velha mendiga, ele entrou na cidade de Elêusis e pediu hospitalidade. Os cidadãos o receberam com tanta generosidade e gratidão que o deus revelou sua verdadeira identidade e recompensou seus benfeitores revelando-lhes seus mistérios e o domínio da agricultura. 

Por fim Demétrio encontrou Perséfone, mas não conseguiu libertá-la integralmente dos Infernos, uma vez que aqueles que ingerem a comida dos mortos não podem voltar à vida, e Perséfone comera sete sementes da romã (fruto associado ao casamento) oferecido por Hades. 

No entanto, Zeus decretou que Perséfone passaria metade do ano na terra com sua mãe, durante a primavera, e o resto do ano, no inverno, com Hades. Os mistérios rituais de Elêusis eram celebrados sempre pelos sacerdotes de Demétrio. Um dos mais conhecidos foi Celeus Triptolemus e seu filho, a quem Demétrio tinha dado a tarefa de ensinar a agricultura e de semear o trigo na Terra; foi ele que também instituiu as Eleusinas, as festas associadas ao culto. Outros sacerdotes ficaram conhecidos depois, como Diocles, Eumolpos e Polixene. Celebrava-se o culto em Elêusis. Os iniciados preservaram os segredos da religião e acreditavam firmemente que também gozariam da vida após a morte graças à sua iniciação nos mistérios.

O mitraísmo provavelmente surgiu durante o século II A.C. na Pérsia. Durante os séculos seguintes se espalhou por todo o Império Romano para atingir o seu apogeu durante o século terceiro de nossa era. Esse culto foi muito bem recebido e disseminou-se entre os soldados romanos. No século IV acabou suplantado pelo cristianismo, que o declarou ilegal em 391. Sua transmissão era oral, não por escrituras sagradas, mas segundo um ritual transmitido de iniciado a iniciado. 


Os mistérios de Mitras foram introduzidos em Roma no período de declínio da República, quase ao mesmo tempo em que, de todos os pontos da bacia do Mediterrâneo, do Egito, da Síria, da Judéia, da Pérsia e da Caldeia, começou a afluir para a capital do mundo os cultos orientais e superstições estrangeiras. Ponto de confluência de todos os povos, Roma se tornou o receptáculo de todas as religiões conhecidas no universo, como se elas pressentissem, naquele momento preciso do império, a crise religiosa de onde deveria sair uma religião universal. 

Os tempos eram propícios para a propaganda de novos deuses. A velha religião estava morrendo em meio à indiferença geral. Em plena decadência, ela tinha perdido todo o controle sobre as almas, qualquer influência sobre as consciências. Dela restavam apenas os ritos, a liturgia, os atos externos. «Esta mitologia vetusta não se impunha nem mesmo às crianças e às mulheres velhas. As pessoas comuns, alheias às agitações da política e dos interesses da pátria, excluídas da religião oficial, que mantinha o privilégio da aristocracia, desacostumadas aos seus cultos locais, não tinham nada que satisfizesse as necessidades mais elevadas de sua natureza e esta sede obscura do ideal que é a nobreza e o tormento das sociedades humanas.» (3) 

Um dos mitos relata o nascimento do deus Mitras de uma rocha e, por isso, a caverna desempenhava um papel primordial nesse culto. Entre os partos, no processo de iniciação, o rei retirava-se para uma gruta e ao sair era venerado como um recém-nascido, como um novo rei, como o próprio Mitras reencarnado. (4) O mito original também relata o sacrifício do touro por Mitras; do corpo do animal nascem todas as ervas daninhas e plantas úteis; da sua medula espinhal germinou o trigo que dá o pão; e de seu sangue a vida, que produz a bebida sagrada dos Mistérios. O sacrifício é realizado na caverna, na presença do Sol e da Lua, e a estrutura dos ritos é orientada pelos 12 signos do zodíaco ou pelos sete planetas. Mitras é chamado nas inscrições de Sol Invictus, e algumas iconografias mostram o deus ora ajoelhado diante do Sol, ora ambos apertando as mãos e celebrando a amizade num banquete onde repartem a carne do touro sacrificado. A iniciação, que também era precedida do juramento de segredo, comportava 7 graus, assim denominados: Corvo, Desposada, Soldado, Leão, Persa, Correio do Sol e Pai. Cada um desses graus era protegido por um planeta e pelo metal correspondente. Os detalhes das iniciações são ignorados. 

O prestígio e a popularidade dos Mistérios de Mitras foram tão grandes nos séculos III e IV de nossa era que o seu culto chegou a ameaçar a própria sobrevivência do cristianismo emergente. A respeito disso, ficou célebre a frase de Ernest Renan: «Se o cristianismo tivesse sido detido em seu crescimento por alguma doença mortal, o mundo teria sido mitraísta.» (5) 

Os mistérios de Ísis e Osíris alcançaram também grande popularidade no mundo greco-romano; esse culto, originário do Egito, disseminou-se pela Ásia Menor e chegou a Grécia. Penetrou na Itália no século II A.C. e em Roma, no início do século I. 

O deus helenístico-egípcio Serápis
O culto começou por obra de Ptolomeu Soter, que decidiu fortalecer seu império com a ajuda de uma divindade suprema, aceita tanto pelos egípcios como pelos gregos. Tornou Serápis o grande deus nacional, depois de ter visto a sua estátua em sonho; mandou trazê-la de Sinope e instalá-la no templo de Alexandria. O nome Serápis vem de Oserápis, ou seja: Osíris-Ápis. Ptolomeu também encarregou dois sábios teólogos de estabelecer a estrutura do culto, Maneton, sacerdote egípcio, e o grego Timóteo, da célebre família dos Elmólpidas, de Elêusis. Graças ao prestígio de Ísis e Osíris, o novo culto se tornou muito popular. Osíris era o único deus egípcio que, assassinado, venceu a morte e foi «ressuscitado» por Isis e Hórus. A sua popularidade era tão grande que em diversas ocasiões os romanos se opuseram às decisões do senado de demolir os seus templos. 

Os iniciados de Isis imitavam o luto da viúva de Osíris batendo no peito e lamentando a morte do deus para, em seguida, demonstrar a sua alegria em voz alta, quando Isis finalmente encontrava o corpo de seu marido. O sofrimento vencido pela deusa, como os rituais o representavam, tinha que ser acima de tudo uma lição de piedade e de consolação para os neófitos ao enfrentar as mesmas provas em suas vidas — o que Plutarco confirma sobre algumas cerimônias isíacas que se tornavam «um modelo de piedade e um encorajamento para os homens e mulheres submetidos a desgraças semelhantes.» 

O que sabemos sobre a evolução desses cultos devemos especialmente ao livro XI das Metamorfoses de Apuleio (século II), que é o texto mais longo sobre os mistérios que sobreviveu desde a Antiguidade. Este relato mostra as aventuras do jovem Lúcio que, nas suas aventuras, engole uma poção mágica que o transforma em um burro. Ele recupera a forma humana depois de muitas tribulações, antes de ser iniciado nos mistérios de Ísis, comprometendo-se a levar uma vida piedosa. De acordo com esta narrativa, a iniciação de Isis necessitava de uma preparação durante uma estadia no templo, onde eram praticadas liturgias diárias. O neófito era purificado por meio de um banho de água pura e depois entrava num período de dez dias de jejum e abstinência. Estas práticas, comuns a outros mistérios, marcavam uma mudança de estado: assim, nos mistérios dionisíacos, o iniciado era coberto de barro, e depois de ser confrontado com a face terrível da divindade encarnada por uma sacerdotisa, era limpo e gritava: «Eu escapei do mal, encontrei o bem.» Os teólogos gregos assimilaram Osíris a Dionísio, que também foi morto, esquartejado e ressuscitado; ambos realizam o autossacrifício, a dispersão do Um (unidade primordial) no Múltiplo, seguido pela ressurreição. Essa tendência de identificação entre os deuses produziu um monoteísmo sincretista simpático sobretudo aos neoplatônicos nos primeiros séculos de nossa era. 

O místico de Ísis, vestindo um hábito de linho branco que anunciava seu nascimento para uma nova vida devota, era, então, levado pelo sacerdote ao lugar mais secreto do templo, para se submeter ao teste formidável da iniciação. Apuleio nos dá uma descrição bastante extraordinária deste progresso nos mistérios de Ísis: «Eu cheguei aos limites da morte... e voltei trazido através de todos os elementos; em plena noite, eu vi o sol brilhar com uma luz brilhante...» 

Atravessar os elementos — fogo, ar, água e terra — realizando uma verdadeira purificação do corpo e da alma, este era em resumo o processo de iniciação; o neófito atravessava o «limiar de Prosérpina», aquele que o confrontava com a sua própria morte. 

Os cultos de mistério consistiam, sobretudo, «numa morte voluntária e uma salvação obtida pela graça.» (6) Outra característica comum a todos eles é que os seus iniciados preservaram com obstinação os segredos da religião e jamais os revelaram. Como a divulgação dos ritos era estritamente proibida e nenhum autor traiu o segredo, não há documentos escritos sobre as cerimônias que as descrevam com precisão. 

Fontenelle, na sua História dos Oráculos, concluiu que o juramento de segredo foi um estratagema criado pelos sacerdotes para obrigar os fiéis a manterem silêncio sobre as mistificações promovidas por eles, e que garantiam com isso o apoio dos habitantes das cidades onde os templos se localizavam, ligando-os pelo duplo laço do interesse e da superstição. Assim, esse segredo tinha uma mão dupla. Nas suas palavras: 

«Os iniciados nos mistérios davam garantias de sua discrição; eram obrigados a fazer aos sacerdotes uma confissão de tudo o que tinham feito de mais oculto em sua vida, e depois disso esses pobres iniciados imploravam aos sacerdotes para guardar o seu segredo. Foi sobre essa confissão que um lacedemônio, que iria ser iniciado nos mistérios da Samotrácia, retrucou bruscamente aos sacerdotes: —Se eu cometi crimes, os deuses os conhecem muito bem

Outro respondeu quase da mesma forma: — É para ti ou para o deus que é necessário confessar meus crimes? — O sacerdote lhe respondeu: — É para o deus. —Ao que o lacedemônio retrucou: —Se é assim, então saia daqui, e eu os confessarei ao deus. — O povo da Lacedemônia não tinha um espírito de devoção muito extremo. Mas não poderia existir algum ímpio que fosse, para fazer-se iniciar nos mistérios com uma falsa confissão, e depois de descobrir toda a extravagância tornar pública a trapaça dos sacerdotes?» 

Autores recentes têm uma postura menos cética que a de Fontenelle, e explicam que o segredo era mais exclusivo do que «misterioso». Ou seja: devia-se apenas a razões políticas, pois no período histórico todas as religiões deveriam se tornar misteriosas, uma vez que todas elas tinham, nos tempos primitivos, um caráter local e exclusivo. Alguns cultos excluíam do santuário ou de determinados atos religiosos categorias específicas de pessoas, como escravos, estrangeiros ou habitantes de certas localidades. Também se ventilou a hipótese de que os antigos cultos de povos derrotados e escravizados teriam se tornado misteriosos porque assim eles poderiam continuar a praticá-los em segredo. A hipótese mais provável é que a obrigação de segredo decorria dos próprios ritos sagrados. O silêncio era necessário na cerimônia como prova de atenção; ainda era necessário após a cerimônia, porque não se devia profanar as coisas sagradas, repetindo-as fora da iniciação.

Hoje geralmente se admite que durante o período clássico não havia um ensinamento dogmático nos Mistérios. Os rituais e provas provocavam impressões religiosas e se constituíam apenas num ensinamento simbólico cuja base era a crença na imortalidade da alma. Os gregos atribuíam à iniciação o poder de trazer os iniciados de volta do inferno. As palavras misteriosas dos hierofantes provavelmente não eram hinos, mas fórmulas tomadas de empréstimo do Livro Egípcio dos Mortos, semelhantes às dos ritos órficos, que dão instruções precisas para a viagem ao inferno e de como escapar de todos os perigos. 

O hierofante certamente conhecia melhor o significado simbólico das lendas do que a massa dos iniciados; mas não há nenhuma razão para atribuir ao período clássico a existência de uma doutrina esotérica completa. Foi só mais tarde, na época do sincretismo religioso e filosófico, que foi possível organizá-la. 

Na resistência ao cristianismo, os pagãos se apegaram a esse aparato religioso que se refletiu, de certa forma, até nas doutrinas filosóficas. Os charlatães não perderam a oportunidade de fazer paródias dos Mistérios: durante o reinado de Marco Aurélio, Alexandre o Paflagoniano estabeleceu na Abonótica os mistérios do deus Glycon, proibindo a participação de cristãos, epicuristas e ateus. Este falso profeta, cujas grosseiras mistificações foram denunciadas por Luciano de Samósata, celebrava o nascimento de Apolo, de Esculápio e de Glycon, o casamento da mãe do próprio Alexandre com Podalírio, filho de Esculápio, e os amores de Alexandre com a Lua. 

A fúria com que autores cristãos como Clemente de Alexandria, Arnóbio e Lactâncio atacaram os ensinamentos dos mistérios mostram a importância que tiveram no final do paganismo. Eles não só se fundiram uns nos outros, como aceitavam novas interpretações filosóficas. A filosofia neoplatônica aparentemente se introduziu nos ensinamentos dos hierofantes de Elêusis e inversamente as práticas teúrgicas dos neoplatônicos, com seus encantamentos e sacrifícios, tornaram-se também Mistérios filosóficos.



Notas: 

(1) Ch. Lécrivain, artigo “Mysteria” do Dictionnaire Daremberg et Saglio, 1877 
(2) Salomon Reinach, Cultes et Mythes, pág. 76, vol. II 
(3) A. Gasquet, Le culte et les mystères de Mithra 
(4) M. Eliade, obra citada, II, 2, pág. 89 
(5) Ernest Renan, Marco Aurélio, pg. 98 
(6) Florence Quentin, Cultes à mystères, l’âme purifiée

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