PROFECIAS E ADIVINHAÇÃO NA ANTIGUIDADE

No mundo greco-romano, todos os templos tinham as suas profetisas, por intermédio das quais os deuses se comunicavam com os homens e revelavam o futuro.

Texto de Bira Câmara

Quando se mergulha no estudo das religiões da antiguidade, salta aos olhos as relações estreitas que elas mantinham com a adivinhação e a magia. Ao contrário do cristianismo, que desde o berço olhou com suspeita para essas práticas e combateu-as vigoro­samente, as religiões pagãs praticamente as instituciona­lizaram, e suas castas sacerdotais conviviam sem animosidade com os adivinhos e profetas autônomos. A crença nas artes divinatórias era tão grande que em Roma elas faziam parte das instituições nacionais, através de um colégio de adivinhos (os áugures) formado por membros do Senado e com o imperador como seu pontífice máximo. Em muitas situações de crise, profecias e predições podiam ser manipuladas por razões políticas. 


A credulidade do homem antigo o levava a buscar intensamente relações com o invisível, com os deuses e heróis de seu panteão. À exceção da necromancia — evocação das almas dos mortos —, que era combatida e seus praticantes sujeitos a severas penas, todas as artes divinatórias eram exercidas livremente. Os astrólogos, devido a suspeita de incentivar conspirações contra os imperadores romanos, foram expulsos de Roma em várias ocasiões, mas sempre voltavam e retomavam suas atividades. No mundo greco-romano, todos os templos tinham as suas profetisas, sibilas ou pítias, por intermédio das quais os deuses se comunicavam com os homens.

A busca de contacto com o invisível, a ânsia de indagar os deuses sobre o futuro, não se limitava às consultas com profetisas nos templos, ou aos adivinhos itinerantes, mas era praticada no dia-a-dia, através da interpretação dos «sinais» da vontade dos deuses, que os pagãos viam nos mais prosaicos e banais eventos da vida cotidia­na. Antes de zombar da credulidade dos antigos, não podemos ignorar que muitos dos augúrios, presságios e superstições sobreviveram ao fim do paganismo e continuam vivos até hoje na crença popular.

Com a decadência das religiões greco-romanas, aconteceu o sin­cretismo com as religiões orientais e surgiram os cultos dos mistérios em que os vários deuses tinham seus ritos de iniciação, e neles se prometia aos iniciados a revelação dos segredos da vida após a morte e o contacto direto com as divindades. Embora muito pouco se conheça da doutrina desses cultos, e seja improvável que seus ensi­namentos tenham sido preservados, muitas sociedades secretas se apresentam modernamente como se tivessem ligação com os mesmos. Ontem como hoje, o homem continua ávido por desvendar os «mistérios» e não desiste da pretensão de fazer parte de algum seleto grupo de iniciados detentores exclusivos da verdade. Há sociedades secretas para todos os gostos, com doutrinas que, de certa forma, repetem o sincretismo da decadência do paganismo com nova linguagem. A teosofia, surgida no século dezenove, é a matriz de boa parte delas.

Quase todas as práticas de magia e artes divinatórias da antiguidade continuam presentes no mundo moderno, com outros rótulos. Na verdade, o estudo das crenças religiosas da antiguidade, das práticas dos magos, adivinhos e profetisas, evoca uma inequívoca sensação de dejá vu... O transe das pítias, durante o qual os deuses falavam pelas suas bocas, é similar ao fenômeno mediúnico da psicofonia; os magos, que alardea­vam o poder de abandonar o corpo durante o sono e se deslocar livremente, fa­ziam supostamente o que se chama hoje de «pro­jecio­logia»; a cren­ça dos antigos romanos na força das palavras e dos nomes pode ser considerada o embrião da neuro­linguística; a litomancia, adivinhação por meio de pedras sagradas, não é diferente do jogo de búzios dos nossos pais de santo, assim como os sacrifícios pagãos sobrevivem nas matanças de galinhas e bodes dos rituais de macumba; e o que é o espiritismo, senão a versão moderna da necromancia? E ainda temos a velha astrologia da Caldeia, que penetrou na Grécia, e graças ao gênio inventivo dos gregos assumiu uma nova feição, espalhou-se pela Roma impe­rial, misturou-se com a astrologia egípcia, sobreviveu ao paganismo, e, cultivada pelos cristãos e muçulmanos durante a Idade Média, continua popular até hoje. 

Como no passado, a astrologia é o suporte, a alma das seitas da «nova era», que nada mais fazem do que reviver os cultos pagãos e todas as crenças e superstições que o cristianismo acreditou ter banido, mas que sobreviveram teimosamente às perseguições da Inquisição e ao racionalismo científico. 

No momento atual, essa proliferação «esotérica» também é per­meada pelas mesmas ideias apocalípticas que assombravam a humanidade no final do paganismo. A história está se repetindo? Então vivemos uma grandiosa farsa!

A humanidade parece caminhar em círculos, voltando periodicamente ao mesmo ponto, e isso acontece porque ela não consegue se desvencilhar de certos conceitos pseudorreligiosos enraizados desde tempos imemoriais. Talvez haja alguma verdade no mito da guerra dos deuses, dos grandes ciclos, de civilizações arcaicas que nos precederam e desapareceram deixando apenas vagas me­mórias através dos mitos. Isso pode explicar a ideia obsessiva do fim dos tempos, alimentada pelas visões apavorantes do Apo­calipse bíblico. Será que a humanidade já não vivenciou essa experiência no passado? 

Segundo os estudos de vários eruditos, o texto do Apocalipse de São João apenas repete profecias antigas, embaralhadas com o simbolismo astrológico dos caldeus. É, portanto, um corpo estranho no Novo Testamento e sempre causou muitos problemas até mesmo para a própria Igreja. Sabidamente, trata-se de profecias feitas para a época em que o texto foi redigido, sem nenhuma relação com a época atual. Por outro lado, a sua linguagem figurada e o seu simbolismo confuso podem ser aplicados a muitas situações. E é exatamente isso que faz a fama dos profetas...

Profecias grandiosas, que supostamente revelam o destino dos grandes impérios, dos grandes personagens da história e até mesmo do fim do mundo, são abundantes e aqueles que acreditam nelas ainda mais. Chega a ser irritante a insistência com que essas pessoas crédulas vivem invocando o Apocalipse e Nostrada­mus. Para nossa felicidade, até agora, todos os que se basearam em ambos não acertaram nada. O meu grande receio é que apareça algum maluco «inspirado» nessas bobagens e consiga ter acesso aos meios para provocar o cumprimento das profecias. Esse é o grande perigo. A carapuça do 666, do Anticristo, tem servido para incontáveis cabeças: entre elas, a de quase todos os papas, de Nero, Frederico II, Napoleão, Hitler, Stálin, Aiatolá Khomeini, Reagan, Gorbatchov, Kadafi, Sadam Hussein, Bush, Bin Laden... 

A história registra muitos episódios lamentáveis e tragédias provocadas por líderes messiânicos que invocaram as Escrituras ou se inspiraram nelas para provocar banhos de sangue inúteis. A elite política, cultural, militar e religiosa do império romano sabia o quanto podiam ser perigosas as profecias, para a estabilidade do Estado. Por isso, apreendiam os textos proféticos sibilinos que circulavam entre o povo, e os mantinham longe dos olhos profanos, para examiná-los com cuidado e antecipar revoltas. Imperadores consultavam os oráculos quanto aos seus futuros, mas puniam com a morte quem indagasse os deuses sobre o futuro deles. Os astrólogos foram banidos de Roma várias vezes por estimular conspirações e despertar a ambição daqueles que almejavam o poder. Nos tempos modernos, durante a segunda guerra mundial, as profe­cias de Nostradamus foram usadas por ambos os lados, tanto para propaganda como arma psicológica. 

A crença em profecias está enraizada na alma popular e não importa que nunca se cumpram. Sempre haverá alguém para justificar dizendo que foram mal interpretadas, mas que ainda acontecerão. A obscuridade do Apocalipse, o estilo enigmático das Centúrias, contribui para que qualquer evento se ajuste às predições de ambos. 

Até agora, durante mais de dois mil anos, todos os profetas e fa­náticos têm usado o Apocalipse para predizer a data do fim do mundo, o aparecimento do Anticristo, a volta de Jesus, e até agora fa­lha­ram. Só os Testemunhas de Jeová fizeram dezenas de previsões e erraram todas. Pastores de várias denominações que seguiram o mesmo caminho também quebraram a cara, sem que isso afetasse os seus prestígios. Para uma profecia ficar célebre e gozar de popularidade é irrelevante que se realize, basta apenas que muita gente acredite nela.

Os candidatos a profeta costumam se alimentar de um cardápio ecumênico que mistura a Bíblia, Nostradamus, São Ma­laquias, sem falar em numerologia, piramidologia, cabala e astrologia. Ultimamente até extraterrestres aparecem para atualizar o imbróglio e tornar certas visões apoca­lípticas mais palatáveis ao crente moderno. As miragens enganosas dos profetas passaram por uma atualização, ou reciclagem, no século vinte com a onda ufológica. Desde os anos cinquenta os supostos «contatados» nos transmitem aler­tas sobre acontecimentos apocalípticos que ocorrerão em breve, anunciados por extraterrestres que vêm dos mais afastados rin­cões do Universo e até de outras dimensões. O curioso é que cada vez mais esses ETs estão invadindo centros espíritas e falando em nome de Jesus. E invariavelmente fazem a mesma coisa que os espíritos que substituíram: transmitem-nos mensagens vagas, sem nada de útil para o enriquecimento do espírito humano, e com a mesma pieguice das demais entidades. No passado eram deuses, depois viraram demônios por obra da Igreja, a partir do século dezenove assumiram a identidade de supostos espíritos desen­carnados, e agora são alienígenas. 

Os deuses pagãos, quando falavam através da boca das profe­tisas, usavam uma linguagem obscura e frequentemente dúbia. Os historiadores antigos registram com abundância histórias de predições que se concretizaram, e não podemos generalizar como fez Fontenelle na sua História dos Oráculos, e explicar estes sucessos como uma sistemática fraude promovida pelos sacerdotes e autores pagãos. Afinal, os oráculos eram consultados tanto por gente do povo como por cidadãos influentes, generais e até reis. Não é possível que tenham sido um sucesso durante séculos graças apenas a mistificações. Além disso, diante de situações críticas, os antigos recor­riam a mais de um método para confirmar ou desmentir alguma predição. 

Sabemos pouca coisa sobre as artes divinatórias praticadas pelos sacerdotes na antiguidade, pois esses textos eram ocultados zelosamente aos profanos. Tanto entre os caldeus, como entre os etruscos, os gregos e os romanos, essas artes eram praticadas por uma casta sacerdotal, cujo conhecimento era passado de pai para filho. 

A linguagem obscura das profetisas tornou-se modelo para os adivinhos e profetas de todas as épocas, e qualquer profecia adquire mais credibilidade quando enunciada com frases enigmáticas, sibilinas. Nostradamus foi um mestre nisso, e as profecias de Malaquias sobre os papas são uma obra prima neste gênero. Mesmo os astrólogos durante a Idade Média costumavam fazer predições lançando mão dessa forma arrevesada e eclíptica, com certeza para se assegurar que de alguma forma se cumprissem. Em caso contrário, a culpa seria de quem as interpretou de maneira errada... Este estilo consagrou um jargão ou «clichê profético», que fez a glória de muitos charlatães.

Se antigamente os deuses falavam pela boca das pítias, hoje em dia se apresentam como espíritos desencarnados. E essas entidades, da mesma forma que aqueles deuses, não parecem interessadas em nos transmitir quaisquer informações que possam impulsionar o desenvolvimento da ciência, nos revelar qualquer coisa de útil e, menos ainda, fornecer a explicação definitiva para os grandes mistérios do universo. As estantes das livrarias estão abarrotadas de obras mediúnicas que se contradizem frequentemente, além de conter previsões com data marcada que nunca se realizaram. Será que do «outro lado» não podemos esperar nada de positivo? Alguns autores do início da era cristã diziam que os deuses na verdade eram demônios que se divertiam enganando os homens através dos oráculos. Talvez tivessem razão e eles ainda continuem por aí...

Ao término dessa breve incursão pelo universo das artes divi­natórias da antiguidade é inevitável recordarmos o velho chavão: não há nada de novo debaixo do sol. Tudo o que está aí hoje em dia sob o rótulo de nova era, esoterismo, ciências ocultas, teosofia, espiritismo, são apenas antigas crenças que o cristianismo pensou ter suplantado e voltaram, com novas embalagens.


Este texto é o prefácio do livro "Oráculos, Profecias e Adivinhação na Antiguidade", de Bira Câmara.

Origem dos Oráculos — Divinação, pres­sá­gios e sortes — Augúrios e aruspi­cínio — O oráculo de Dodona — Deuses adivinhos — O oráculo de Delfos — O papel político, espiritual e cultural do oráculo de Delfos — Adivinhas célebres — A Sibila de Cumas — A sibila de Cumas e o cristianismo — A profecia de Roma — Os cristãos e os oráculos — Outras profecias, oráculos e presságios — A Estrela de Belém e o nascimento de Jesus ­— A astrologia no mundo greco-romano —  Magia e Religião na antiguidade — A religiões de mistério — O Apocalipse

180 páginas, formato 13,5 X 20,5 cm., ilustrado

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