Hypatia de Alexandria

Para os cristãos ela era “uma abominável mensageira do inferno”, mas passou para a história como uma das últimas expoentes da filosofia pitagórica, e a primeira mulher que deu contribuições consideráveis à ciência da matemática. 

Com a ascensão do Cristianismo e o declínio do Império Romano do Ocidente, a cultura e a ciência grega tornam-se mal vistas, e ela pagou caro por sua dedicação a elas. 


Texto de Bira Câmara


Em 415, Hypatia de Alexandria, matemática proeminente, filósofa, astrônoma e astróloga foi arrastada da sua carruagem e selvagemente linchada por uma turba de fanáticos cristãos. 

Uma das últimas expoentes da filosofia pitagórica, é considerada como a primeira mulher que deu contribuições consideráveis à ciência da matemática. Mas ser matemático ou astrólogo na Alexandria, nesta época, significava correr sérios riscos. O Concílio de Laodiceia em 364 proscrevera a adivinhação e os padres foram proibidos de praticar matemática e astrologia. O Cânone 36 determinava:   
  
Aqueles que são do sacerdócio ou do clero não poderão ser mágicos, encantadores, matemáticos, ou astrólogos; nem eles farão amuletos que são cadeias para as suas próprias almas. E aqueles que fazem uso disso, nós ordenamos a expulsão da Igreja.

A morte de Hypatia

Theophilus, arcebispo da Alexandria, via o paganismo como um adversário e, com permissão dos seus superiores, ordenou queimar completamente o Templo de Serápis em 389. A destruição da Biblioteca aconteceu logo depois. 

Neste clima crescentemente volátil, os matemáticos tornavam-se cada vez mais excluídos. O sistema ptolemaico do universo era dominante e deveria permanecer durante muitos séculos como uma das maiores realizações científicas da humanidade. Graças a ele podiam ser preditas as posições dos planetas e eclipses com grande precisão, mas prever o futuro era considerado contrário aos desígnios de Deus. Qualquer um que praticasse matemática, astronomia e astrologia recebia o rótulo de charlatão ou bruxo.   

Filha do matemático e filósofo Theon de Alexandria, ela o auxiliou nos seu textos sobre matemática e astronomia, compilando frequentemente tábuas de posição de corpos celestes. Theon encorajou sua educação desde cedo, mas ela não se apegou somente aos ensinamentos do pai e rapidamente encontrou outros meios de aprender sobre o que quer que fosse que a interessasse. Além da matemática, ela se interessou principalmente pela astronomia e construiu astrolábios , ferramentas para examinar e medir corpos celestes no céu noturno.

Grande parte de sua vida foi perdida para a história, mas sabe-se que era uma oradora profunda e as pessoas viajavam de longe para ouví-la falar; frequentemente dizia-se que ela era semelhante a Minerva, a deusa da sabedoria, sua protetora. Linda, brilhante e ousada, os gregos a adoravam; até mesmo os homens, que deveriam reprová-la por invadir seu território, curvaram-se diante de suas realizações extraordinárias.

Ela também se assumiu como membro da escola neoplatônica de filosofia e usava os trajes da elite acadêmica (algo que apenas os homens podiam fazer na época, embora isso não detivesse Hypatia), indo para o centro da cidade e discursar a quem quiser ouvir seus pensamentos sobre Platão. No final das contas, todos que a ouviam e ficavam cativados por suas interpretações - e pela própria filósofa.

É um mistério como Hypatia conseguiu entrar na academia dominada por homens e não apenas sobreviveu, mas prosperou. Os estudiosos dizem que pode ter sido o resultado de uma coisa simples: celibato. A intelectual se dedicou à castidade, nunca se casou e foi considerada virgem até sua morte. A sociedade grega antiga valorizava o celibato como uma virtude e, como tal, homens e mulheres aceitavam e respeitavam Hypatia em grande parte porque ela parecia quase assexuada. Isso a tornava muito menos ameaçadora, apesar da intensidade de sua mente e de sua lista crescente de realizações acadêmicas.

No entanto, a abstinência não a protegeu de avanços sexuais. Conta-se que um estudante do sexo masculino ficou tão apaixonado por ela que Hypatia temeu por sua aparente “paixão” e tomou medidas desesperadas para salvá-lo de si mesmo (e podemos supor, para salvá-la de ter que suportar seus flertes agressivos). Enquanto o estudante mais uma vez professava seu amor por ela, diz a lenda que Hypatia levantou a saia, arrancou sua proteção higiênica e jogou seus ricos trapos com efluentes menstruais em seu implacável pretendente. Então disse algo como: “seu amor é apenas luxúria, e você não tem ideia sobre a realidade das mulheres, então aqui está. Agora você deve se curar de sua obsessão por mim”.

Ele se curou e Hypatia pode voltar ao trabalho. Outros homens ainda a vigiavam de perto, mas suas intenções não eram nada cavalheirescas. Eles não queriam cortejá-la, na verdade queriam matá-la...

Uma ameaça ao cristianismo


Hypatia praticava o paganismo em uma época em que o cristianismo estava em sua infância, e quando começou a crescer muitos pagãos se converteram ao cristianismo por medo da perseguição. Mas ela resistiu, e continuou a praticar o paganismo sem fazer nenhum esforço para escondê-lo. Esse desafio - embora ela tenha, por algum tempo, recebido apoio do governo de Alexandria - fez dela um alvo entre os círculos cristãos sedentos de poder. Os cristãos incitavam cada vez mais a violência na cidade, fazendo com que esse apoio desaparecesse até que as tentativas do governo de protegê-la cessaram.

Ela enfrentou contínua campanha de seus adversários cristãos, que alimentavam o ódio dos alexandrinos mostrando-a como "uma abominável mensageira do inferno". Para dar credibilidade à sua “malignidade”, falava-se da conhecida preocupação do seu pai com a astrologia e a magia, os seus escritos sobre interpretação dos sonhos, e dos astrólogos que frequentavam regularmente a sua casa. O seu envolvimento com astronomia e astrologia era associado à prática de magia negra e adivinhação. Dizia-se que era uma bruxa satânica e que lançava feitiços contra qualquer um na cidade.  

 Hypatia Teaching at Alexandria, tela de  Robert Trewick Bone (1790–1840)

Não se sabe porque ela não fugiu de Alexandria quando começaram as perseguições, decisão que poderia ter evitado seu destino trágico. Em 415, durante o período cristão da Quaresma, Hypatia foi arrastada da sua carruagem e atacada por uma turba de zelotes cristãos quando ia para sua casa. Estes fanáticos, braço armado do governo do bispo Cirilo, a arrastaram para uma igreja local onde a despojaram das roupas e arrancaram-lhe a pele do corpo com objetos afiados. Depois disso, os zelotes a esquartejaram e levaram seus restos para um lugar chamado Cinaron, onde a queimaram. Embora Cirilo não estivesse presente durante o ataque e não se tenha nenhuma evidência de que tenha ordenado a matança, acredita-se que ele a instigou, pois incitava sistematicamente os cristãos à violência em nome da Igreja. Muito tempo depois deste evento, Cirilo seria louvado por autores cristãos por ter “destruído os últimos restos de idolatria na cidade”. 

O bispo justificou essas ações dizendo que Hypatia praticava a adoração de ídolos, contra a qual o Cristianismo se levantou e lutou. Infelizmente para o bispo e seus asseclas, ao matá-la eles a imortalizaram. Na verdade, se a tivessem deixado em paz, seu trabalho e seu nome provavelmente teriam se perdido na história. Na morte, ela acabou sobrevivendo.

O assassinato de Hypatia, uma mulher de sessenta anos, amada e louvada pela sua beleza, sabedoria e compaixão, não foi apenas um ato de ódio cego, mas também uma afronta criminosa merecedora das penalidades mais severas contra os seus autores. No entanto, essas penalidades nunca foram aplicadas nem houve qualquer prisão ou investigação. Depois de sua morte, Cirilo foi canonizado pela Igreja Católica e se tornou um de seus santos... 

 A morte de Hypatia marcou o fim da última fase da ciência antiga e a partir de então a investigação científica passou a ser vista como inimiga do dogma religioso. Os astrólogos não eram mais perseguidos pelo crime de lesa-majestade, mas como inimigos da religião dominante. Muitos filósofos deixaram a cidade, com medo de ter o mesmo destino de sua amada colega. Com o desaparecimento de Hypatia "a última chama da livre investigação apagou-se antes da longa noite de escolasticismo clerical" que se abateu sobre o Ocidente.    


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