Cagliostro e Saint Germain, mitos e fatos


Duas figuras controvertidas do século XVIII foram transformadas em "mestres" da Nova Era, ao lado de outras figuras imaginárias como Hilarion, Serápis Bey, Mestre Morya, Ashtar Sheran, além de Blavatsky, Aleister Crowley e outros. Mas, retirando o véu de fantasia que os envolve, quem foram eles de fato?

Texto de Bira Câmara



Nas últimas décadas do século vinte o nome de Saint Germain tornou-se muito popular. Seguidores deste mestre garantiam que quando ele “aparece”, costuma fazê-lo ricamente paramentado, com muitas jóias, fivelas de ouro e pedras preciosas. Que utilidade têm estes adornos mundanos lá no astral, nem faço idéia! Em todo caso, quem sou eu para lançar dúvidas a respeito disso? O interessante é que sobre esta figura, sobre a qual existem poucos registros históricos, pesa a suspeita de ter sido espião a serviço dos ingleses durante a época da revolução francesa. No livro “O Conde de Saint Germain”, da teosofista Isabel Cooper-Oakley, há o relato do encontro secreto entre o alquimista e Maria Antonieta, testemunhado pela sua dama de honra, Madame d’Adhémar. Às vésperas da revolução, este misterioso personagem tentou salvar a pele da rainha e de toda a família real, enquanto o povão morria de fome. Qual o interesse que um mestre iluminado teria com isso, também não faço a mínima idéia!

Conde de Saint Germain
Quando surgiu na corte francesa, em meados do século dezoito, aparentava ter quarenta anos de idade, embora alguns afirmassem que devia passar dos noventa. O próprio Conde dizia que tinha vivido 370 anos... Conta-se que fazia artificialmente diamantes e pedras preciosas, tinha o dom da clarividência, lia o pensamento das pessoas e predizia o futuro. Nada se sabe de sua verdadeira identidade e muito menos ainda de sua origem. Há uma escassez absoluta de fatos concretos que o identifiquem e tudo o que temos a seu respeito são suposições ou testemunhos de pessoas da época. Segundo alguns, era filho de um judeu português, radicado na Alemanha e, para outros, seria filho natural do rei de Portugal (?). De certo mesmo, é que foi levado para a França em 1740 pelo marechal de Belle-Isle, que o apresentou na corte e nos salões da alta sociedade parisiense (1). Além de esbanjar dinheiro, possuia estranho magnetismo e cativava as pessoas graças à cultura e talentos inegáveis. Além de tocar magistralmente inúmeros instrumentos musicais, era poliglota e escrevia tão bem com a mão direita como com a esquerda. “Uma avassaladora onda de superstição o rodeava, mais avolumada, ainda, pelas explicações fantásticas e inconcebíveis que dava da sua origem” (2).

Ao certo sabia-se que era franco-maçom e ocupou cargos importantes em poderosas sociedades secretas espalhadas pelo mundo. Diz-se que Cagliostro foi seu discípulo e há muitas semelhanças entre ambos. Enquanto os ingênuos e crédulos o tinham na conta de feiticeiro ou mago fabuloso, muitos suspeitavam que fosse um esperto e perigoso espião a serviço das potências inimigas da França, já que tinha vindo da Alemanha, eterna inimiga...

Cronistas da época atribuem ao conde intenso trabalho de bastidor e livre trânsito entre os nobres, especulando e fazendo contatos com sociedades secretas. Antes disso, sob o nome de conde de Surmont, teria desempenhado atividades como industrial e político na Bélgica. É dada como certa sua participação em intrigas políticas na Rússia, em 1762, onde com o nome de conde Soltikoff, organizou o golpe que colocou no trono a imperatriz Catarina II. Segundo Serge Hutin, Saint Germain gozou também de total confiança do rei Luíz XV e da célebre madame de Pompadour. Não se sabe onde termina o fato e começa a lenda, dada a escassez de registros fidedignos sobre esta misteriosa figura. Todas as suas atividades estão envoltas em névoas de mistério; pode muito bem ter sido um espião a serviço dos ingleses ou um ardiloso aventureiro fazendo-se passar por alquimista para ter acesso à bolsa dos nobres e poderosos.

Alquimista, mago, astrólogo, entre outras coisas promovia “sessões espíritas” onde evocava as almas dos defuntos familiares daqueles que compareciam às concorridas reuniões que promovia nos salões parisienses. Uma de suas experiências preferidas era cair em transe e rememorar fatos passados de remotas eras ou transportar-se, em espírito, aos mais desconhecidos confins do mundo. Estas sessões serviam como uma eficientíssima propaganda pessoal, e claro, para em segredo impingir aos incautos, miraculosos “cosméticos de juventude” a preços elevados às beldades da alta sociedade. A aplicação destes preparados tinha de ser feita em horas pré-determinadas, após prévia “preparação do transcendente”, por intermédio de orações especiais. Tratava-se de um negócio em grande escala e que lhe trazia polpudos dividendos, pois tinha a vaidade feminina por alvo...

Luiz XV
Sabe-se que o rei Luiz XV concedia-lhe demoradas audiências privadas em seus gabinetes, sem testemunhas, “provocando despeito nos mais altos personagens palacianos, incluindo os próprios ministros”. Como ambos guardavam absoluto segredo sobre o que faziam, jamais se soube do que tratavam. Acredita-se que a ascendência de Saint-Germain devia-se ao fornecimento de “filtros de energia”, de insuperáveis efeitos afrodisíacos... Igualmente Madame Pompadour recebia dele fórmulas e poções mágicas para a plena satisfação amorosa. Também os maiores vultos da corte o procuravam para comprar “filtros” que curassem males para os quais a medicina não conseguia cura ou solicitar-lhe solução para intrincados casos.

“Saint-Germain foi sempre uma charada, um enigma vivo, sem solução. De uma coisa há a certeza: dos inegáveis e miraculosos talentos com que especulava proveitosamente, explorando, em grande escala, a vaidade e... a simplicidade dos seus contemporâneos endinheirados” (3).

Diante disso, como conciliar o pouco que se sabe historicamente sobre Saint Germain, com sua investidura na condição de mestre planetário encarregado de encaminhar a humanidade para a Nova Era? Lembro que alguns astrólogos veem na revolução francesa um evento precursor da Era de Aquário, tese muito plausível. Assim, como se explica ter trabalhado contra o movimento que tornou possível tudo o que está aí hoje em dia, com este rótulo?

Cagliostro e sua mulher Lorenza Feliciani,
na cerimônia de iniciação feita
pelo conde de Saint-Germain.
Ilustração da obra Les Mysteres de la Science,
1893, de Louis Figuier (1819-1894)
Seguidores de Saint Germain afirmam que, sendo um avatar, em sua passagem pela Terra teve o privilégio de encarnar em três corpos. O segundo teria sido outro personagem ainda mais controvertido: o Conde de Cagliostro, figura com extensa ficha criminal, fama de charlatão e que usava a própria mulher para seduzir os ricos e poderosos. Seu verdadeiro nome era José Balsamo. Alguns autores (como Serge Hutin) supõe que teria recebido “iniciação” do própro Saint Germain, o que é um paradoxo pois, aparentemente militavam em campos opostos. Enquanto um empenhava-se francamente pela salvação da monarquia, o outro conspirava para derrubá-la. Alguns esoteristas não veem nenhuma contradição nisso, acreditando que ambos estavam a serviço de alguma misteriosa sociedade secreta que movia os cordéis da política européia da época.

Cagliostro


Alexandre Dumas escreveu um romance baseado em Cagliostro, mostrando-o fantasiosamente como o grande chefe desconhecido de todas as sociedades secretas que conspiravam para derrubar a monarquia e destruir a Igreja.

José Balsamo,
o Conde Cagliostro
Embora a maioria de seus biógrafos (ele teve vários) tenham concluído tratar-se de um farsante, há quem tome por realidade esta obra de ficção e veja nele a figura de grande mago e iluminado...

Para justificar seu comportamento ambíguo, muitos acreditam - como Franz Hartmann - numa dupla personalidade do Conde: Balsamo seria uma espécie de médium, vivendo sob a influência e sendo usado por um espírito oriental chamado Cagliostro e que, enquanto durou esta influência acreditou ser e era, na verdade Cagliostro. Este controvertido personagem terminou seus dias nas masmorras da Inquisição, denunciado pela própria mulher. Durma-se com um barulho desses!

O nome verdadeiro do Conde de Cagliostro (1743-1795), viajante, ocultista, alquimista, curandeiro e maçom, é Giuseppe Giovanni Battista Vincenzo Pietro Antonio Matteo Balsamo. Alardeava ter poderes sobrenaturais e, por conta desta fama, circulou entre a nobreza europeia, mas terminou seus dias preso por ter aplicado golpes. Foi chamado pelo historiador Thomas Carlyle (1795-1881) de "Príncipe dos Charlatães".

Giuseppe nasceu no bairro judaico de Palermo e já aos 17 anos se interessava pela alquimia. Associou-se a um ourives, chamado Marano, e o convenceu de que era capaz de transmutar metais. Cagliostro pediu-lhe a soma considerável de 60 onças de ouro, a fim de realizar uma cerimônia mágica que mostraria para Marano a localização de um grande tesouro, escondido perto da cidade. Marano deu o ouro a Cagliostro e, à meia noite, foi conduzido para um campo, distante da cidade. Ali o ourives foi atacado e roubado por Cagliostro e alguns bandidos, que eram seus comparsas. Em seguida, Cagliostro deixou Palermo e começou sua viagem pelo mundo.

Alguns anos depois, em 1768, Cagliostro retornou à Itália, estabelecendo-se em Nápoles. Dizia ter ido ao Egito, Grécia, Pérsia, Rodes, Índia e Etiópia, estudando o ocultismo e a alquimia. Apresentou-se como médico e levava uma vida abastada. Casou-se com Lorenza Feliciani, mas conhecida por Serafina, e viveu em Roma por algum tempo. Quando a Inquisição começou a suspeitar de Cagliostro por heresia, o casal fugiu para a Espanha. Mas cometeram o erro de retornar a Palermo, onde Cagliostro foi preso, devido à queixa de Marano. Desta vez foi salvo por um nobre e, depois de ludibriar um alquimista, roubando-lhe uma grande soma de dinheiro, fugiu para a Inglaterra em 1770, onde alardeou ter descoberto um grande segredo alquímico.

Foi nesta época, em Londres, que Cagliostro teria conhecido o Conde de Saint Germain, que o iniciou nos rituais ocultistas do antigo Egito, e além de ensinar-lhe a fórmula das poções da juventude e da imortalidade.

Luiz XVI
Fundou lojas maçônicas baseadas em rituais egípcios na Inglaterra, Alemanha, Rússia e França. Em 1772 Cagliostro foi para Paris, onde passou a vender elixires médicos. Despertou o interesse do rei Luís XVI, e tornou-se atração na corte real com suas mágicas e contos.

Durante muitos anos Cagliostro foi um dos favoritos da corte francesa, mas sua fama começou a declinar depois do seu envolvimento no famoso Caso do colar da Rainha. Este incidente foi um dos principais eventos que precipitaram o início da Revolução Francesa em 1789. Por causa disso, Cagliostro foi encarcerado na Bastilha por seis meses e depois expulso da França.

Retornou a Roma em 1789 onde praticou sua medicina e tentou fundar uma loja maçônica, nos moldes das outras que já havia fundado. Acabou preso pela Inquisição em 1791 no Castelo Sant'Ângelo, sob acusação de heresia, bruxaria e prática ilegal da maçonaria. O processo durou 18 meses e, finalmente, a Inquisição sentenciou Cagliostro à morte, pena comutada para prisão perpétua pela clemência papal. Cagliostro tentou fugir, foi preso novamente e transferido para a solitária no castelo de São Leo, perto da cidade de Montefeltro, e ali morreu em 26 de agosto de 1795. Sua fama era tão grande que em toda a Europa as pessoas não acreditaram na sua morte. Somente quando Napoleão se pronunciou sobre o fato é que admitiram que Cagliostro estava morto de fato.

Apesar de sua extensa carreira criminosa, é considerado por seus adeptos uma das maiores figuras do ocultismo e, nos dias atuais, um dos grandes mestres da “Nova Era”...
 

NOTAS:

(1) Américo Faria, “Dez Mistificadores Célebres”, pág. 50
(2) idem, pág. 51
(3) Américo Faria, obra citada, pág. 61

Bibliografia:

Américo Faria, “Dez Mistificadores Célebres”
Camilo, “Compêndio da Vida e Feitos de José Bálsamo, chamado O Conde Cagliostro”
Catherine Hermary-Vieille, "O Iniciado, a História de Saint-Germain"
Constantin Photiades, “As Múltiplas Vidas do Conde de Cagliostro”
Hartmann, “En El Umbral del Santuario”
Isabel Cooper-Oakley, “Saint Germain”
Jean Moura e Paul Louvet, "St. Germain, le Rose-Croix Immortel"
Luc Benoist, “O Esoterismo”
Serge Hutin, “Governantes Invisíveis e Sociedades Secretas”

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