Apolônio de Tiana, a versão pagã de Cristo


Cultuado durante os primeiros séculos depois de Cristo como verdadeiro deus, Apolônio de Tiana foi comparado a Jesus de Nazaré. E, como ele, não só teve muitos discípulos como também teria feito milagres. Segundo conta a lenda, obrigado a comparecer ao tribunal presidido pelo imperador Domiciano, Apolônio repreendeu-o asperamente e, quando menos se esperava, desapareceu como por encanto, reaparecendo segundos depois na Gruta de Puteoli, a quilômetros de distância.


Texto de Bira Câmara



Apolônio de Tiana, filósofo neopitagórico, pregador e taumaturgo do primeiro século da era cristã, nasceu em 16 d.C. em Tiana na Capadócia e morreu em Éfeso em 97 ou 98. A Vida de Apolônio de Tiana de Filóstrato é a principal fonte de informação sobre ele.

Muito cultuado durante os primeiros séculos depois de Cristo, antes de cair no esquecimento, Apolônio foi comparado a Jesus de Nazaré. Não só teve muitos discípulos como também teria feito milagres.

De origem grega, «Apolônio» descende de uma antiga família que deu à cidade de Tiana alguns de seus fundadores. Diz-se que ele veio ao mundo numa campina, perto do templo dedicado a ele. Seu pai, também chamado Apolônio, era o cidadão mais rico de uma cidade opulenta.

Domiciano
Na idade de quatorze anos, ele foi levado por seu pai para Tarso, e entregue aos cuidados do mestre do fenício Eutidemo, famoso retórico da época. De lá, ele foi para Aege na Macedônia, onde encontrou seguidores de diferentes escolas filosóficas. A inclinação natural de sua mente para o misticismo o fez abraçar as doutrinas de Pitágoras ensinadas nesta cidade por Euxenus Heraclea, que se entregava aos prazeres sensuais e tomava Epicuro como modelo. No entanto, Apolônio observará durante toda sua vida as práticas mais severas do pitagorismo antigo, ao mesmo tempo em que misturava as doutrinas desta escola com as de Platão. Sua falta de egoísmo, sua temperança, sua castidade exaltadas o levaram ao ascetismo. Defendia o vegetarianismo para seus discípulos.

Por cinco anos, praticou a vida silenciosa, de acordo com  as prescrições de Pitágoras. Empreendeu longas jornadas, acompanhado por um certo Damis, que se tornou seu discípulo. Suas andanças os levaram principalmente a três direções. Em primeiro lugar, Apolônio e seus companheiros foram para o Oriente: passaram da Panfília para a Cilícia; de lá viajaram para Antioquia, na Síria, depois para Nínive e Babilônia, e para a Índia, onde Apolônio conversou com os sábios da terra, os brâmanes. No reinado de Nero (54-68), ele retornou ao Ocidente: visitou as grandes cidades de Iônia e Grécia, Roma, Itália, Espanha e permaneceu em Gades (Cádiz). Finalmente, foi para o sul: visitou a Sicília, passou por Rodes até a costa norte da África, permaneceu no Egito, Alexandria — onde encontrou Vespasiano, em 69, e os filósofos Eufrates e Dion de Prusa, — e na Etiópia conheceu outros sábios, os gimnosofistas. Depois retornou à Ásia Menor, Grécia e Roma, sob o reinado de Domiciano (81-96). Seu biógrafo atribui-lhe relações com muitos intelectuais influentes da época, com vários imperadores que governaram Roma, com Nero e com reis estrangeiros, que o fizeram visitar os Estados, como os de Fraotes na Índia. Domiciano o mandou para a prisão e o levou para o tribunal, de onde ele escapou milagrosamente.


O suposto túmulo de
Apolônio, na Caxemira
Apolônio morreu em Éfeso em 97, durante o reinado de Nerva. Mas alguns autores recentes acreditam que ele teria morrido na Índia, e que Roza Bal, uma tumba reverenciada na Caxemira como sendo a de Jesus, seria na verdade a de Apolônio.  Essa hipótese poria fim à teoria da vida oculta de Jesus, contada em vários livros, segundo os quais ele não teria morrido na cruz, mas teria ido além do Eufrates em busca das tribos perdidas de Israel, e morrido na fronteira do reino indo-parta e da Índia em idade avançada.

Pregação

Em seu livro, Filóstrato apresenta Apolônio como um grande viajante, que visitou os países ao redor do Mediterrâneo, até a Babilônia e a Índia, onde travou relações com os brâmanes. Ele andava descalço, usava cabelos longos, se alimentava apenas de vegetais e se recusava a ingerir bebidas alcoólicas. Praticava abstinência sexual, vivia de esmolas, distribuía seus bens para os pobres e dormia nos templos. Suas pregações reuniam em seu caminho multidões que vinham para ouvi-lo condenar o luxo e a decadência dos costumes, desencorajar o consumo de carne animal e defender um sistema de vida comunitária.

Apesar de sua notoriedade e de seus muitos discípulos, Apolônio não estabeleceu uma organização formal ou grupo, e não preparou nenhum sucessor para continuar sua tarefa de pregação.

Apolônio queria que a cidade de Éfeso fosse «uma coroa de cidadãos virtuosos» em vez de edifícios e pórticos.

A lenda

O nome de Apolônio de Tiana alcançou uma grande repercussão. Durante sua vida, não apenas foi honrado como um sábio, mas temido por alguns como um mago, adorado por outros como um deus, ou pelo menos reverenciado como um ser sobrenatural. Na Igreja primitiva, sua fama, em certo momento, tornou-se perigosa. No século XVIII, a controvérsia anticristã encontrou na vida desse personagem uma oportunidade para ataques desonestos. Hoje o deus ficou eclipsado, o filósofo perdeu sua aura, restando de Apolônio de Tiana apenas o milagreiro. Depois de ser apresentado como uma continuação de Pitágoras e rival de Jesus Cristo, ele é considerado hoje apenas um precursor de Swedenborg e de outros místicos e paranormais.

Dois séculos depois de sua morte, Filóstrato, o Ateniense, em sua Vida de Apolônio de Tiana, popularizou sua lenda. Esta biografia foi traduzida do grego para o latim por Nicomaco Flaviano durante o reinado de Teodósio I. Seus discípulos levantaram estátuas e templos e o compararam a Jesus Cristo.

O imperador Nero o teria banido de Roma como um mago, por ter ressuscitado uma jovem, e o Imperador Domiciano obrigou-o a cortar à força a barba e o cabelo. Em Éfeso, em 18 de setembro de 96, teria entrado em transe diante de seus discípulos, e gritado «Mate o tirano!» no mesmo instante em que o imperador Domiciano era assassinado em Roma, por instigação de sua esposa Domitia e do prefeito pretoriano.

Também se lhe atribuía igualmente a capacidade de bilocação ou de onipresença.

Uma obra anônima, provavelmente datada do século V, a Historia Augusta, relata uma aparição milagrosa de Apolônio de Tiana, que teria prometido ao imperador Aureliano vitória sobre Zenóbia se ele poupasse a cidade de Tiana e seus habitantes. A Historia Augusta apresenta Apolônio como «fiel amigo dos deuses, digno da honra de ser chamado de divindade», e diz que Aureliano teria visto o seu retrato em muitos templos. Mas de acordo com André Chastagnol, o Historia Augusta inventa e parodia a visão de Constantino contada por Eusébio de Cesareia, opondo o milagre pagão de Apolônio de Tiana ao milagre cristão.

Tudo nos leva a acreditar em Filóstrato quando conta que mesmo durante a sua vida, e especialmente depois da sua morte (que ele teve o cuidado de esconder), Apolônio de Tiana era considerado por certo número de pagãos como sendo um ser divino. Segundo Eunápio ele era o intermediário entre deuses e homens, e sua vida foi como a jornada de um deus na terra.  Dion Cassius insere em sua História Romana um dos fatos mais maravilhosos que são contados sobre Apolônio. Amiano Marcelino coloca-o, junto com Pitágoras, Sócrates, Numa Pompílio e Plotino, entre os homens privilegiados que conviviam com um gênio familiar. Caracala consagrou-lhe um monumento à sua memória. Alexandre Severo colocou sua imagem em seu lararium, ao lado de Jesus Cristo, Abraão e Orfeu; várias cidades levantaram-lhe altares, e Aureliano prometeu construir um templo para ele. 

Já Filostrato nos diz em várias passagens de sua obra, que muitos, mesmo entre os pagãos viam em Apolônio um mágico: grande parte de seu livro é dedicada a destruir o episódio do julgamento de Apolônio por Domiciano. Apuleio, acusado de magia e rejeitando essa acusação, negou ser como Apolônio de Tiana. Luciano, que não acreditava em magia, fala de Apolônio como um embusteiro que, assim como os outros pretensos magos, divertia-se com a credulidade humana. Mas os céticos radicais como Luciano eram raros. Em geral, todos acreditavam nas maravilhas de Apolônio de Tiana, e apenas alguns lhe atribuíam uma virtude divina, enquanto outros o consideravam um grande mago.

Bibliografia:


A. Chassang, Coup d'oeil sur l’histoire du livre de Philostrate et de la réputation se son héros, prefácio da tradução francesa da Vie d'Apollonios de Tyane.

Philostrate, Vie d'Apollonios de Tyane, trad. de A. Chassang.

WH., Apollonios de Tyane et le Crépuscule du paganisme, em:


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