Goethe-Wirth


Trecho do prefácio de Albert Lantoine para a 1ª edição da tradução francesa do Conto da Serpente Verde






Quantas vezes não ouvimos dizer com ironia: "Este crítico que analisa a tragédia de Racine descobre nela encantos que o próprio poeta jamais sonhou." Ele não percebe que a letra não pode limitar o espírito e esquece a virtude misteriosa do que se convencionou chamar de Inspiração. Toda idéia tem ressonâncias múltiplas, e nossa visão não deve se limitar ao seu cenário.

Os comentadores esclarecidos de um filósofo não auxiliam apenas o leitor a compreender sua doutrina, eles a revelam ao próprio filósofo.

Estudem Goethe! Não tenho a pretensão de analisar sua obra em poucas palavras; minha obrigação deve se limitar a apresentar ao público o brilho sutil de seu pensamento. Mas, sem este último, como não me perder nesta obra tão rica e tão robusta, à qual poderia se aplicar apropriadamente este verso de Albert Samain:

                        É a floresta do Sonho e do Encantamento.

Floresta plena de sol e de sombra, mas de uma sombra que se sente plena de luz, floresta onde a claridade do paganismo grego se casa com o simbolismo obscuro das crenças germânicas, e onde às vezes se tem a impressão de ver Vênus a dançar com Titânia.

Como me orientar, então, neste conto sem o fio de Ariadne que Oswald Wirth me estende com indulgência?

* * *

Goethe-Wirth. Certamente não podemos dar à aliança desses dois nomes um sentido analógico que ela não tem. Mas imagino – como em uma cena de Fausto – o pálido patriarca de Weimar inclinado sobre a face ascética de Oswald Wirth, ouvindo atentamente a engenhosa interpretação de seus sonhos. No entanto, os próprios alemães não se espantariam com esta intimidade. Eles sabem que não há pesquisador mais abalizado do que Wirth no estudo dos símbolos. Ele é o grande decifrador de hieróglifos, de nomes e de pantáculos onde sábios prudentes dissimularam aos Bárbaros no passado as riquezas de sua sabedoria. Ele as desvela aos sacerdotes que a esqueceram e aos franco-maçons que nunca compreenderam o mistério subjacente no esoterismo de seus gestos.

Na França, Oswald Wirth tem muitos admiradores, mas entre nós toda reputação de ocultista não deixa de inspirar alguma desconfiança. Existiram aqui – e existem ainda, infelizmente! – muitos charlatães que prostituíram a Grande Obra pela exploração de miseráveis crendices. Mas Oswald Wirth, apesar das sílabas cabalísticas de seu nome, é um bruxo moderno. O tarô não é um jogo de cartas trapaceadas nas mãos deste homem honrado.

Esta apresentação parece demasiado elogiosa – sobretudo ao próprio M. Wirth – a respeito deste pequeno livro onde ele pode dar toda a medida de sua "adivinhação". Mas não esqueçamos que ele é o autor do Livro do Mestre, e quero repetir aqui o que escrevi a seu respeito quando da publicação de seu Simbolismo Hermético ( * ):

É a elevação de sua alma que faz sua inteligência lúcida. Para entender o outro é preciso desfazer-se de toda mácula moral. A clarividência Daquele cujo reconhecimento popular santificou não tinha outra fonte senão a pureza de sua existência. Emerson – este crente que se aproximou do panteísmo de Goethe com uma inquietação deslumbrada – antecipou Wirth ao escrever:

"Todo espírito que não quer se enganar, por força da honestidade... pode superar todas as dificuldades como o sol de verão derrete as nuvens."

Wirth é possuído como seu mestre pela "simpatia universal". Eu, que no fundo sou um misantropo que sofre da indignidade humana, admiro com humildade este homem que se conforma. Ele não sofre por isso, porque a domina. Ele observa os erros sem se indignar, unicamente preocupado em ser o marinheiro – o Barqueiro do conto – para quem os recifes são talvez os marcos úteis na abordagem da Verdade. Ele sabe que os maus participam do encadeamento das coisas, dos seres e dos eventos, e que são as pobres luzinhas esparsas que terminam produzindo uma grande luz.

Este espiritualista que realiza milagres não desperta o sorriso do meu ceticismo impenitente. Toda beleza, seja física ou moral, me enche de uma emoção sagrada. E como o descrente que instintivamente se descobre em um templo onde as consciências perdidas vêm buscar asilo, eu saúdo este sonhador que, mesmo desligado de toda religião dogmática, é o mais religioso dos homens.


* * *

Leiamos o conto. Sem a trilha luminosa da Serpente Verde e sem a Lâmpada do Velho, eu seguiria os Fogos-Fátuos ou me perderia na fecunda obscuridade do Rio e do Jardim mágico.

Sem Oswald Wirth eu marcharia como um cego atrás da imaginação de Goethe.

Por mais paradoxal que possa parecer esta afirmação, eu digo que o discípulo é tão útil quanto o Mestre. João completa Jesus. O sonho inacessível de um, o outro faz descer das nuvens para a terra. O inspirado deve ao seu intérprete o respeito que se liga a seu Verbo.

É a sabedoria de seu Profeta que faz a grandeza de um Deus.

(tradução de Bira Câmara)


( * ) Wirth é também autor de «Les 22 Clefs Kabbalistiques du Tarot» (1889), «Rituel Interprétatif pour le grade d’Apprenti» (1893), L’Imposition des Mains et la Médicine Philosophale» (1897), «La Franc-Maçonnerie rendue intelligible à ses adeptes» (1909), «Les Signes du Zodiaque, leur symbolisme iniciatique» (1921) e «Le Poème d’Ishtar, mythe babylonien approfondi dans son ésotérisme» (1922).

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